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terça-feira, 28 de julho de 2009

Capítulo XII – O castigo da ladra

Eu preciso explicar bem as coisas a partir de agora.
E acho que a que devo mais, é o motivo por que eu não postei durante esses dias.
Poderia simplificar tudo e passar por cima, mas prefiro mesmo caminhar lentamente sobre isso.
Foi o meu pai. Por culpa dele.
...
Era precisamente cinco e trinta e seis da manhã. Depois que tomei as pílulas avermelhadas e cochilei, foi quase como um despertador ouvir os passos dele no carpete do corredor. Não sei direito por quanto tempo eu apaguei, mas tenho certeza de que foi pouco, pelo menos pra mim. Juro que adoraria dormir dias e dias.
Meu pai pisava fundo. E eram passos muito hesitantes, quase que raivosos.
Como se quisesse esmagar milimetricamente alguma coisa no chão. Uma coisa asquerosa e horrenda.
Eu estava deitada sobre a cama, com os olhos semi abertos na penumbra. Meu corpo doía, a marca no pulso coçava. A do antebraço parecia não existir. Confesso não entender bem isso. Só não doía. Estava lá, mas não doía. Quis me levantar e abrir a porta, mas e se ele visse o monitor em cima da escrivaninha? E se entrasse em meu quarto para se esconder do o que atormentava?
Era uma burrice estender a mão, afinal, eu não conseguia proteger a mim mesma!
Meu pai não dormia à noite. Ou dormia muito mal.
Eu não via motivos práticos pra entendê-lo. Poderia contar alguns, mas não eram muitos, não eram suficientemente perturbadores. Psicóticos como os meus. Assustadores e violentos como os que eu cultivava.
Talvez fosse minha avó. Sim. Ela gemia tanto! Tanto quanto qualquer coisa que se lamenta e geme durante a noite. Sua cama inóspita no quartinho do andar de baixo... Era incrível como ela conseguia fazer ranger as molas de seu colchão. Alto. Alto. Ainda sim mais baixo que seu grunhido noturno.
O medo agora era como uma corda que me amarrava. Não poderia me soltar e descer para lhe fazer um mísero agrado.
Havia também a estranheza de seu fôlego. Meu pai. Ou o zumbi que tomara posse do corpo dele. A forma grotesca de seu movimentar de olhos, do seu soltar de palavras... Tinha algo ruim que o deixava avulso e perdido. Algo que o tomava e digeria.
Mas o que era?!
Depois os meus olhos estavam arregalados. Senti-me tão impotente!
Tão vazia, tão inútil!
Virei-me de lado e agarrei-me ao lençol. Quis colocar o travesseiro em meu rosto e gritar o mal alto que pudesse, mas de forma alguma, não sairia nada.
Ele continuou andando de um lado para o outro, como um dos “meus” fantasmas. O máximo que consegui fazer foi fechar os olhos com força e pensar em coisas doces, como flocos de chocolate num rio de sangue e ópio.
Minha cabeça jorrava trevas.
...
Algo cutucou meu pé.
Gelado e úmido.
Logo cedo... Meu deus, logo cedo?!
Não abri os olhos. Não respirei.
Algo voltou a cutucar meu pé. Com mais delicadeza agora.
Ainda era úmido e gelado.
Cruelmente eu senti cócegas. E uma vontade imensa de chorar de medo.
Depois um pigarro. Vinha de alguma outra parte do quarto. Do canto.
Batidas. Batidas leves na parede do meu quarto. Depois do pigarro vieram as batidas.
Algo ainda cutucava meu pé.
Frio e úmido.
As batidas foram ficando mais rápidas e fortes.
O toque com delicadeza se tornava áspero e grosseiro.
Meus olhos queriam fugir, minhas pálpebras desejavam se rasgar e gritar, mas se eu fizesse isso, com o quê me assustaria?!
Não pude me conter...
Num movimento ligeiro abracei meus joelhos e colei as costas na cabeceira da cama. Eu estava erguida, e via as mãos da Sofia entre as grades da ponta da cama, com os dedos longos e as unhas roxas, cavoucar o lençol e sujá-lo de sangue.
Sorrindo... Bruxuleante, ela sorria.
Aí as batidas violentas e furiosas sobre a parede.
Sim, girei meus olhos e ele estava lá, no canto do quarto, perto do meu closet. Com suas roupas pretas envelhecidas e o seu chapéu poeirento. Com os braços rijos, lançado a testa na dureza da parede, insanamente ele batia sua cabeça nela. E Sofia se movia para perto, enquanto meus ouvidos zumbiam e os sons se distanciavam. Perto de ver o rosto deformado do homem no canto do quarto e o gracejo assassino da menina do banheiro, consegui me encolher e gritar ininterruptamente.
Foi tempo bastante. Foi alto o suficiente para me projetar para fora e contemplar os meus olhos mariscados de água. Choro. Havia algo quebrado e sangrando dentro do meu espírito. Um tipo de trauma, uma facada violenta na sanidade e na sensatez. Um golpe covarde do sobrenatural e do medo.
Eu era o medo. Eu era isso.
Percebi que tremia. Minhas mãos tremiam enquanto eu abraçava o lençol e chorava. O quarto estava todo claro e não havia mais ninguém nele, ninguém além de mim.
...
Mas eu estava apavorada! Por que estava acontecendo aquilo? Como, eu estava acordada, estava dormindo?!
Olhei no relógio, dez e meia da manhã... COMO????
A pouco não era nem seis horas... O que estava havendo comigo?
...
Confusão consternada e insólita. Um vago e inescrupuloso decair de pensamentos.
Ora indo, ora voltando, mas ainda parado na mesma posição ridícula. Com a cabeça em baixo da guilhotina afiada, sem reação pra fugir ou achar motivos claros pra aceitar a própria condenação.
Uma espécie de estupor invadiu o meu corpo.
Eu deveria aceitar aquilo?
Aquela morte horrível?
O.O
Metáfora assustadora.
...
Estava calor. E dentro da minha cabeça dançavam imagens.
A da Sofia, primeiro. Como ela era perversa... Deixava-me enjoada de tanto medo.
Depois a dele... Ben. Ben. O homem no vão da escada, de costas. O homem no canto do quarto, batendo a cabeça na parede, estarrecido e perturbado.
...
Aí, Eu. A presa patética e fácil.
...
Passou-se então uma hora.
Comia sentada na mesa da cozinha, com cara de dúvida. Envolta em uma camisa de mangas longas, com os cabelos desgrenhados e os olhos caídos. Não ousei encarar meu pai.
Era raro vê-lo naqueles trajes leves, de dia de folga. Ele estava em casa, ausente também. Paralisado e apático em seu silêncio. Sentado reto em sua poltrona, sem fazer som algum, apenas olhando a tela hipnótica da televisão. Dava pra vê-lo de onde eu estava.
Minha avó ainda dormia. Ou voltara a dormir, eu não sabia ao certo.
Só pensava em como eu voltaria para o meu quarto. Em como eu diria aquilo em alguma postagem. Aquelas coisas assustadoras que eu sentia...
Terminei de comer.
Levantei-me da mesa e fui até a janela. Meu pai também se levantou da poltrona.
Não o olhei, não queria olhá-lo. Talvez eu ficasse em pânico com isso.
Tinha que parecer calma.
...
Suava dentro da camisa... Estava quente demais...
Motivo pequeno para tirá-la e exibir a linda marca da mão da Sofia em meu antebraço.
...
Suspirei.
Ia para o quarto.
Tomei o caminho da escada, em passos relativamente calmos. Subi o segundo degrau, logo em seguida senti uma pressão horrível em meu couro cabeludo, seguida da voz grossa e severa de meu pai, parado e raivoso atrás de mim.
O puxão de cabelo me sugou, fazendo-me recuar instantaneamente. Meu pai abriu espaço para que eu caísse no chão, de costas e desprotegida. Logo que bati a costa na madeira do piso, arregalei os olhos e fitei seu semblante sério sobre mim, pisando-me com o olhar.
Eu era asquerosa e horrenda para aqueles olhos.
- Levante-se!
A voz foi muito convicta, seu grito grave fez com que eu me apressasse, e num movimento muito rápido, me erguesse e encostasse as costas na parede. Juntei os braços, enrijeci todos os músculos. De algum jeito eu sabia: haveria mais dor.
Esperei.
...
Ele apertou os punhos e cambaleou a cabeça, confuso, alterado e furioso.
Eu o persegui com meus olhos, tive medo. Outra vez.
O que ele faria comigo?
Ele perdeu alguns passos inúteis. Foi pra frente, foi pra trás... Mas ainda estava perto. Apertava os dedos contra as pálpebras fechadas. O rosto se contraia numa careta de dor e raiva.
Ele voava e caia quando planava. Insandecidamente.
Vi uma brecha para escapar...
Ia correr.
No primeiro movimento de fuga, quando eu voltei a pisar no degrau, meu pai puxou minha camisa e me prendeu na parede. Imprensou-me contra ela com força e quase encostou o rosto no meu.
Foi a primeira vez em muito tempo que pude olhar bem os seus olhos...
Estavam estranhos e obscuros. Fora de controle.
Ele quase riu do meu pavor. Enquanto machucava meus braços e as minhas costas.
Meu pavor ficava cada vez mais forte e viscoso.
- Pai... Papai...
Não sei por que aquele balbucio pulou de mim. Quando percebi, ele já havia ganhado a gravidade e afundava como um peso morto entre o pouco espaço entre nós.
Meu pai fechou o rosto. Odiou aquelas palavras a ponto de fazer seu nojo por elas ficar explicito. Afastou-se de mim e ficou de costas enquanto sua mente perturbada lhe dizia coisas...
Ele abanava o ar e respondia com outros murmúrios.
Quase pude ouvir as lamúrias.
Quase.
...
Eu tinha que entender o motivo daquela raiva.
Havia feito algo errado?!
Me pronunciei. Ou melhor, tentei me pronunciar.
- O que aconteceu...?
Eu nem pude terminar a frase. Ele se virou para mim e esbravejou:
- O que aconteceu?! Você é cínica o bastante pra perguntar?!
Encolhi os ombros.
- Maldita. – ele veio para mais perto de mim – maldita!
Estava compondo minha feição de pânico quando sua mão esbofeteou o lado esquerdo do meu rosto. Foi a coisa mais dura e agressiva que alguém já fizera comigo. A dor foi terrível, o impacto me fez cair por cima dos degraus da escada. Quase desmaiei.
Meu pai ainda se agachou e puxou meu cabelo de novo, gritando feito um louco:
- Ladra! Ladra Maldita!
Eu não tive reação. Recebi tudo sem muita coisa a fazer.
Estava fraca e assustada.
Ele continuou puxando meu cabelo...
...
Aí parou.
Parou.
...
Seus olhos se alertaram. E era como se tivesse algo no andar de cima, chamando-o.
Respirei oscilante, quase sem fôlego.
Seu último movimento foi mexer a mão com rapidez e fazer minha cabeça bater na parede.
Depois ele subiu e tudo ficou silêncio.
Silêncio.
...
...
Eu fiquei caída na escada, chorando, sentindo um aperto dentro do peito.
Logo em seguida veio o susto:
O som ruidoso de algo despencando. Caindo direto no gramado do lado de fora.
Coloquei a mão sobre a boca.
Era aquilo que eu pensava?
...
Meu pai pisoteou os degraus em sua descida. Quase pisa em mim.
Eu me encolhi.
- Desobediente.
Sua voz foi baixa. Ou então eu estava desmaiando de novo e os sons estavam sumindo como de costume. Sei que ele não olhou mais para mim. Seguiu até a sala, ligou a tevê e sentou-se em sua poltrona.
Imóvel e manso.
Aparentemente inofensivo.
...
Imagine como eu estava. Por dentro e por fora.
Um lixo.
Um pano de chão.
Ai sim eu quis morrer.
Mas ainda sabia que tinha culpa naquilo.
As vozes que o atormentavam foram despertadas por mim.
Por mim.
Entendi.
...
Subi a escada me arrastando. Chorando.
Sagrando.
...
Ao chegar em meu quarto, minhas dúvidas se desfizeram.
Fui até a janela e olhei para baixo... Lá estava meu monitor, despedaçado entre a grama e as pedras.
Suspirei.
Estava toda dolorida.
Fui até o banheiro jogar água na cara. Olhei-me no espelho... Havia um hematoma no lado esquerdo do meu rosto. Junto com as olheiras e os olhos inchados, contemplei um cadáver vivo, resfolegado e atônito.
Eu.
Uma voz masculina chamou meu nome. Na parte de baixo... lá fora.
Não me importei, mas fui olhar quem era. Morosamente, cheguei aos vidros da janela e vi Justin.
Ele olhava para a varanda, pude ouvir meu pai dizer que eu não estava em casa.
...
Não tive ação para descer e falar com Justin. O aquele mentiroso queria comigo? Por que havia aparecido naquela hora, justo quando eu adoraria encontrar alguém e confessar todo o meu pânico? Quando eu adoraria receber um abraço quente e consolador?
Era covarde oferecer água envenenada a uma morta de sede.
...
Estava cansada. Escorei a testa no vidro e observei-o. Com os olhos semi abertos.
O vi assentir com a cabeça a resposta dada por meu pai e quase que por magnetismo, dirigir seus olhos azulados até mim. Justin ficou parado ali por quase dez segundos, enquanto nos examinávamos e pensávamos nos motivos de fazermos aquilo.
Talvez ele achasse que eu havia dito ao pai para dispensá-lo, ou se perguntasse por que meu pai não me avisara sobre sua visita.
Ainda não sabia.
Eu só me questionava sobre as razões de ele simplesmente não esquecer a história da maldição. Desistir de mim.
Seria realmente bom brincar comigo e com os meus problemas?
Era engraçado zombar e tramar contra uma coisa insignificante e piedosa como eu?
...
O final do dia é típico.
Tomei as pílulas e dormi no tapete do quarto.
...
...
...

3 comentários:

Hugo Castro disse...

Eu ñ li ainda + salvei no meu MP5 para ler...

Amanhã eu posto outro cementário.
Bjs ;D

olhando a lua disse...

lol, teu blog esta cada dia melhor, parabens...

Hugo Castro disse...

Agora eu li!
Caramba...
C eu estivesse la eu olharia nos olhos od seu pai e gritaria; "CAVALO" e correria, é claro ^^

Mas está muito legal. Estaria melhor se eu me consentrasse mais sem os gritos da minha irmã e as reclamações da minha mãe. mas está ótimo.

Vc viu a enquete que eu puz no meu blog? Eu quero ver seu voto la!

Eu tive uma ideia para seu blog q envolve o meu também. Depois eu te conto pelo MSN;

Beijos e ateh +!