O mundo tem dentes e pode te morder sempre que quiser....
Seja bem vindo

terça-feira, 30 de junho de 2009

Capítulo III - A outra respiração



Foi difícil pra mim estar aqui de novo.
Minha avó passou o dia no hospital ontem, junto com meu pai. Fiquei sozinha em casa, ocupei meu dia assistindo um programa idiota que passava na tevê. Não subi para o segundo andar, permaneci na parte de baixo o tempo inteiro.
Ainda pensei que trocar de roupa em meu quarto, mas desisti depois de ouvir passos fundos vindos de lá.
Eles soavam abafados, até abaixei o volume da televisão para ouví-los melhor.
Mas eu não senti tanto medo nesse momento.
Estava tão claro, os vidros da janela da sala reluziam o sol, e a brisa sacudia as cortinas de renda branca.
Tive a coragem de levantar do sofá e ir até perto dos degraus da escada, mas minhas pernas não se mexeram depois daí.
Respirei fundo.
Fechei os olhos.
Veio outra respiração...
E não era a minha.
- Amy...
- Amy...
Abri os olhos brutalmente, mal pude conter o meu fôlego!
Senti a superfície macia do sofá cor de creme; como, eu estava lá o tempo inteiro?!
Alguém gargalhava na tela da tevê. De uma hora para outra, a brisa parou e uma nuven cinzenta cobriu o sol. De algum jeito eu também estava estagnada, e via-me em terceira pessoa. Na frágil expressão confusa do meu rosto. O meu medo e o meu susto.
Depois vieram os passos de novo. Mais fundos e obstinados. Queriam sair de dentro de algum aposento...
Eles.
Raivosos e esfomeados. De mim?
Do que eu despertei.
Não sabia exatamente em que parte do andar de cima aquilo se encontrava, mas podia sentir que tentava achar a porta.
E se percebessem a escada? E depois a deprimente garota paralisada no sofá?
Não pensei mais.
E ficou silêncio também, por pouco tempo.
A voz, de novo a voz. E o meu nome.
- Amy...
Olhei o secular e gigantesco relógio perto da janela. Os ponteiros acusavam quatro e vinte e cinco.
Atitude idiota olhar um relógio, eu poderia correr, poderia sair gritando, alcançar a estrada de terra e escapar para as pessoas mais próximas! Mas não. Não.
Eu não podia fugir.
Por que depois eu voltaria, e eles continuariam lá. O que quer que fossem.
Me aterrorizando.
Fazendo meu dia estranho, me observando através do papel de parede.
Os passos e a voz pararam. Percebi também que tinha uma lágrima pegajosa escorrendo de um dos meus olhos. O meu estômago rodava, eu estava apavorada. Meu braços não se moviam com clareza, e o ar demorava a entrar em meus pulmões. Um cheiro horrível de bolor exalou pela sala, e era tão forte que achei ter tomado a casa inteira. Eles me queriam mesmo, envolvida em pânico.
Abracei os joelhos junto ao corpo e me encolhi, no canto do sofá. Fechei os olhos com toda a força que pude e recitei baixinho, um velho poema de Cora Coralina. Repeti-o umas dez vezes, incansavelmente.
Foi quando abri os olhos.
Fitei o relógio.
Ainda eram quatro e vinte cinco da tarde.
Como?!
O céu, porém, estava escuro, e o sol corria para ir embora, no horizonte laranja queimado.
Com os pés descalços, pisei no tapete gelado e fibroso.
Acendi primeiro as luzes da cozinha e da varanda da frente. Não consegui subir.
O interruptor da lâmpada da sala ficava perto da escada, quando acendi a luz, vi o quanto os degraus estavam escuros.
Parei novamente, para tentar enxergar algo no breu, talvez eu pudesse ver o pequeno vão entre os degraus, logo que a escada fazia um tipo de curva e continuava até parar bem na porta do escritório de meu pai. Bem naquele vão, havia uma pequena fluorescente; Eu poderia acendê-la...
A sala estava clara. Olhei para trás, para o sofá e a tevê. Suspirei.
Deu o primeiro passo...
Antes que eu tocasse o interruptor, a fluorescente se acendeu, e um homem desconhecido apareceu no canto do vão da escada.
Meu coração parou.
Daí, tudo realmente escureceu.
Acordeu em meu quarto, sob os olhos vazios e duros de meu pai, dentro de seu sobretudo cinza.
Meu peito apertou. Não havia nada atencioso em seu olhar.
Ele não ousou perguntar nada. Continuou me olhando. Ainda pensei em dizer algo, mas eu não conseguiria me expressar claramente.
- O que houve com você?
Sua pergunta foi seca.
Eu iria dizer a verdade, mas pressenti que ele não acreditaria.
Resolvi mentir.
- Eu caí.
Seus olhos brilharam, desconfiados.
- Mentira.
Estremeci, por baixo do lençol, toquei meu pulso. Estava congelado.
- Eu escorreguei da escada e... desmaiei.
Seu corpo alto quase encobria a lâmpada acima de sua cabeça.
- Você passa tempo demais no computador.
Aquilo pareceu infudando para mim. Aquilo não tinha nada a ver com nada! Não sou uma viciada!
- Não, pai, eu...
- Vai ficar sem ele por algum tempo. - virou as costas - Até que ele pare de afetar sua cabeça... E você pare de desmaiar por bobagens.
Fiquei sozinha no quarto. Confusa. Que explicação idiota era aquela? Justo para um cardiologista!
Computador... Não passava mais do que uma hora na frente de um.
Por que ele simplesmente não acreditou na minha mentira? Droga, as pessoas caem e desmaiam, não é?
Me conformei, depois de resmungar.
Procurei Ted com os olhos, mas ele havia sumido.
Mancumunei...
Tinha que contar alguém o que estava acontecendo comigo! Mas como, sem computador?
Meu pai não estava mais me ouvindo. Passaria uma semana sem minha melhor amiga. E tinha uma avó que não falava e mal ouvia.
....
Sozinha, plenamente.
Dormi, sem me sentir tão ameaçada. Eu precisava fugir um pouco da minha vida.
Não obedeceria a ordem dele. Mas meu pai poderia tirar o computador de mim num estalar de dedos, se me pegasse no flagra...
Bem, ele levantou cedo hoje.
E eu também. Tranquei a porta durante a madrugada, e esperei minha avó dormir depois do almoço. Mesmo que ela não falasse, ou me reconhecesse, achei melhor esperar.
A essas alturas, nunca se sabe.
Agora estou em meu quarto, já passou o cheiro de bolor... Mas eu ainda tenho medo.
Quem era aquele homem? O que ele estava fazendo dentro da minha casa?
Eu não sei.
Não sei.
E também não posso dizer quando vou saber.
Seria dele, a outra respiração?

Eu vou continuar, por que não posso parar, e por que preciso terminar isto.
Quando eu tiver computador de novo, eu volto....
Se eu ainda estiver respirando
Se eu não nao tiver morrido de pavor...
P.s.: O ted ainda está desaparecido.

domingo, 28 de junho de 2009

Capítulo II - No corredor


Ainda estava escuro do lado de fora. A vovó teimava em tossir, no quarto de baixo, pensei que iria morrer com falta de ar!
Olhei no relógio em cima do criado mudo, nossa, ainda não eram cinco horas da manhã. Perdi o sono, também.
Permaneci deitada na cama, com os olhos no teto, sob os lençóis amarrotados. Podia sentir os passos de meu pai sobre o carpete do corredor. Os seus passos preocupados.
Eu não gostava daqueles passos...
Faz tempo que ele está assim. Longe do seu corpo, e de mim. Tem uma semana que escuto seu andar oscilante ir e vir, sem um rumo certo. Imaginei onde suas mãos deveriam estar... deslizando sobre a palidez do rosto, pela barba mal aparada... Talvez não tremessem, apenas suassem.
Quis me levantar e ir até ele, perguntar o que havia tirado o seu sono... Mas sabia que não podia interferir. Pressentia que um ato meu ativaria sua parte descontrolada. Não poderia bater e acariciar a mesma criatura, em frações de segundos cortados. Senti ser hipócrita demais gritar e depois pedir que todos ficassem em silêncio.
Fechei meus olhos e me encolhi quando sua sombra parou diante da porta do meu quarto. Ele sempre soube a forma com que respiro quando estou lúcida.
Uma cena vagou na minha cabeça...
Meu pai entrava, sentava-se na beira da minha cama, e após um gesto de carinho, me sufocaria com as mãos.
O ar realmente fugiu de mim naquele momento. Eu abri o olhos, puxei o fôlego! Quase gritei.
Ted estava na ponta da cama. Perto dos meus pés. Olhei para ele, o sol estava mais denso, e o quarto se iluminava. Ergui-me para tocá-lo, Ted escorregou pelo lençol e caiu em baixo da cama. Respirei fundo, não tinha por que tirá-lo de lá. Mas pensei melhor, também não tinha motivos para deixá-lo jogado. Porém, era escuro...
Nao sabia o que havia debaixo da cama. Tirando meu tênis imundo e algumas roupas sujas. Eu nunca ficava para saber. Nunca precisei. Mas eu me sentia ameaçada, de algum jeito temia ser engolida pela escuridão.
Desde aquele dia...
Aquela noite escuro e agourenta.
Peguei o Ted.
Se ele não estivesse tão gelado, talvez eu não contasse isso à você.
Se os olhos dele não estivessem tao cálidos, poderia dizer que ele é basicamente um urso inútil.
Pensei em trancá-lo no sótão, mas não tive tempo. Minha avó não conseguiu respirar depois do café da manhã.
Meu pai a levou para o hospital e mandou que eu prepara-se o almoço.
Comi sozinha, na sala.
Dei uma volta no quintal, perto da castanheira. Achei um tipo de puteal lá. Tampado com um enorme bloco de concreto.
Se tivessemos vizinhos, e se os nosso vizinhos tivessem filhos, eu os chamaria para olhar. É algo realmente interessante.
Agora estou escrevendo. Abri as janelas do quarto para ouvir melhor do carro de meu pai, quando ele chegar.
Espero que ele não me ignore
Nem que me sufoque.
Eu não sabia que fazer aquilo, traria consequências tão estranhas....


sábado, 27 de junho de 2009

Capítulo I - O Início


Na verdade isso nao é o início.
Tudo começou há algum tempo...
Meu medo começou há algum tempo.

Me chamo amy. Ou escolhi me chamar assim, a partir desse momento.
Não criei isso para assustar as pessoas, ou para falar sobre os meus problemas. Mas assim eu me sinto menos sozinha.
Fiz dezesseis anos há pouco tempo, há menos de um mês. Meu pai fez uma festa pra mim, até que foi legal, tirando aquela parte do...
Moro com meu pai e minha avó, numa casa branca, no bairro do Santos Dumont. Minha irmã e minha mãe morreram há dez anos num acidente de carro. Não foi tempo suficiente para deixar de sentir falta delas.
Tenho uma única amiga chamada Lucy.
Eu também tinha um cachorro, mas ele morreu no final do ano passado.
Estou cursando o segundo ano do ensino médio. Vou a pé para escola, gosto de caminhar pelo bosque, é mais calmo e não tem muito barulho. Meu pai diz que poderia me levar de carro, mas eu prefiro ir andando.
Sou simples, mas não se assuste quando eu complexar as coisas.
É só o meu jeito.
Não namoro por que não sei e por que também nao tenho pretendentes.
Isso, porém, nao é problema pra mim :)
Agora estou sozinha em meu quarto. Acabei de fechar as cortinas lilás, o sol da tarde estava me queimando.
Minha avó está na cozinha, posso até sentir o cheiro do café quente!
Adoraria ouvi-la cantar a canção de ninar da mamãe... Pena ela ter perdido a voz... Pena ela não ter mais aquele brilho dentro dos olhos.
Meu pai está no consultório, com certeza deve ter muita gente com ele. Gente doente. Não sei se está pensando em mim.
Mas acho que sou uma das poucas coisas que ocupa a cabeça dele.
A lucy veio aqui, pela manhã. Disse que iria passar a semana de férias na casa da tia, no bairro da Vitória.
Vou ficar mais sozinha.
Sozinha?
O Ted está sobre a cama. Jogado e parado. O urso idiota.
As cortinas balançam com o vento... O cheiro do café, a canção de ninar que toca na minha cabeça...
E o Ted. Os olhos dele brilham.
Eu estou cheia de medo.
Medo.
Desde aquele dia... Depois da minha festa de dezesseis anos...
Oh, meu Deus! Por que a Lucy esqueceu o que havia prometido?
Eu vou escrever isso.
Vou contar isso...
Alguém quer mesmo saber?