O mundo tem dentes e pode te morder sempre que quiser....
Seja bem vindo

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Enquanto isso....


Tocava aquela música que era a nossa cara
Quis saber como você estava
Senti a sua falta
Bem que você podia me ligar
Como vai? O que tem feito?
Disfarçaria para não dar nenhuma bandeira
Pra fingir que tá tudo certo
Que a minha vida continua da mesma maneira
Mas o tempo que era tão pouco
Com você por perto
E agora um deserto
Já sei que as flores de plástico não vivem
Deixava aquela música invadir a sala
Pra preencher o espaço que você deixou
Quem sabe você volta
Até a música parar
Como vai? O que tem feito?
Disfarçaria para não dar nenhuma bandeira
Pra fingir que tá tudo certo
Que a minha vida continua da mesma maneira
Mas o tempo que era tão pouco
Com você por perto
E agora um deserto
Já sei que as flores de plástico não vivem
...


segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

*Posfácio*


Primeiro, antes de mais nada, eu queria agradecer a todo mundo que visitou meu blog, ao povo que comentou e que teve a paciência de chegar até o final. O Hugo de Castro, com o Espaço Hugo, meu parceirão nessa doideira, e que foi o responsável por eu não ter excluído tudo. ¬¬ >>> Ah, e ao João Bosco também, nino que aturou comigo o segundo ano no Adelaide Tavares (lá é tipo um hospício) e que me deu dicas sinceras e práticas pro blog.
Devo muito a vocês, meus caros =D
Valeu mesmo.
... 
Bom, esse deveria ser o capítulo XXI, mas eu não queria que o diário tivesse vinte e um capítulos. Sei lá, não queria. E também me sinto meio cansada.  Foi ótimo poder compartilhar as minhas experiências escabrosas com algumas poucas pessoas, me senti bem melhor depois de salgar e queimar os ossos do Ben.
Quando fomos embora, ainda tinha a sensação de medo em meu corpo, mas agora era diferente. Eu me sentia diferente. Ajudei Justin a caminhar, pois ele estava dolorido e havia um corte superficial em sua barriga. Não demoramos a encontrar a trilha que nos levava de volta à minha casa, mas agora nos sentíamos livres de um tipo de peso. Olhei meu pulso e percebi que quase não havia marca. Só uns rabiscos marrons e levemente sombreados.
Chegamos em frente a minha casa, sendo tocados pelos raios do sol. Era um dia quente e ensolarado, como há muito tempo não víamos. Nos olhamos, com um sorriso de vitória nos lábios, esperando encontrar palavras para definir nossa satisfação. Não havia nada. Nada que pudéssemos falar.
Meu pai apareceu na porta, passando a mão na cabeça com uma expressão de dor. Nos olhou meio perdido, mas do jeito que MEU pai, aquele que eu sabia ser bom e inofensivo, olhava. Uniu as sobrancelhas.
- Meu Deus, o que houve com vocês?
Justin sorriu e olhou para mim. Agora eu sabia exatamente o que ele estava pensando.
“Você viu? Nós vencemos...”. Sim, nós vencemos Justin. Ele sabia ler os meus olhos.
...
Olhei minha roupa e percebi que estava completamente imunda. Justin também não estava lá muito apresentável, mas tentava manter um ar de que estava realmente tudo bem. Caminhamos aliviados até meu pai e entramos.
Nenhuma pergunta foi respondida, nenhuma outra foi feita. Por mais silenciosos e satisfeitos que estivéssemos, compartilhávamos todos de uma mesma verdade. Meu pai se manteve quieto em sua poltrona na sala, observando os cacos de vidro no chão, o ponteiro do relógio parado, apontando três horas. Seus olhos estavam molhados, havia culpa neles, enfim, ele me olhou e derramou a primeira lágrima. Ele estava lembrando tudo?
- Tudo bem, pai. – eu sorri.
Sentamos na sala de estar, apreciando a calma de não precisar fugir ou manter cautela.
- Quem aqui está com fome?
...
...
As coisas na minha casa melhoraram. Meu pai voltou a ser MEU pai, a escola é de novo a escola, e Justin... Bom, agora somos amigos. Ele ficou bem machucado naquele dia no bosque, por isso meu pai achou melhor levá-lo até um hospital. A Natasha não acreditou que seu irmão havia se metido numa briga de rua (nem eu acreditaria) por isso disse que se empenharia em descobrir o que havia acontecido de fato. Ela voltou a me encarar com aquela cara pintada e aqueles soberbos olhos azulados, mas até fiquei feliz por ela voltar a ser a chata e implicante Natasha. A linda e mais popular garota da escola, na sua habitual e costumeira versão de sempre, sem possessões!!
O Hugo de Castro me perguntou como é que eu postava se estava sem monitor e aqui vai a resposta: Eu usava o note book do Justin. Depois daquele dia, muita coisa mudou. Não o vejo mais como um idiota metido da escola. Claro que às vezes ele é chato, fica enchendo o saco – brincando – mas descobri que ele também é bem companheiro. Não houve facada nas costas e eu não virei piada na escola... Como ele é da minha turma – e incrivelmente manda super bem em física, matéria que eu sou pior que péssima – a gente se juntou pra fazer trabalhos. Contei sobre o blog e sobre o diário que ainda não tinha terminado, então ele me deu liberdade pra fazer tudo da casa dele.
...
Meu pai mandou comprar vidros novos, e como num pedido de desculpas (bem descabido, aliás) disse que compraria um monitor novo pra mim.
A marca em pulso enfim desapareceu. Mal pude acreditar quando vi meu pulso voltar a cor e a textura de origem! Depois de poder respirar aliviada, parei pra pensar em Daniel e no quanto ele foi importante para a solução de todo aquele enlace. Tive vontade de vê-lo e agradecer, coisa que eu não tinha feito.
Aliás, por falar em nosso pequeno ajudante, Justin e eu descobrimos algo sobre ele.
Daniel Freitas de Almeida.

Nascido em quinze de agosto de mil novecentos e oitenta e oito. Família pobre, filho único, com uma saúde frágil e melindrosa. Natural de Recife, morou lá até seus oito anos, após uma tentativa frustrada de melhoria de vida, conviveu com a pobreza na inóspita cidade de Serra do Campo, indo morar num casebre, no coração de um bosque. Numa noite, dizem que o menino simplesmente sumiu de sua cama. Deram-no como desaparecido, até, depois de alguns poucos dias, acharem seu corpo caído perto de um puteal.
A causa da morte de fato nunca foi descoberta, alguns dizem que congelou até a morte, outros, ao olharem a expressão e os olhos abertos do menino, concluem que morreu mesmo foi de susto.
Após aquele terrível incidente, decidiram encher o bosque de trilhas e placas. Uma criança perdida no bosque poderia mesmo morrer... Descobriram isso tarde demais.
...
Eu sei, isso é horripilante, quase inacreditável, mas é a mais pura verdade. Justin pesquisou nos jornais, na Internet, até achou o casebre onde a família do menino morou, mas este estava abandonado há bastante tempo. Sua morte foi realmente estranha, mas não conseguimos achar um ponto de ligação entre ela e aos espíritos que planejavam a Minha Morte.
Seu corpo morto ao lado do puteal terá sido uma terrível coincidência?
Bom, Daniel nunca mais foi visto, e com sua ausência, a pergunta continuará sem resposta.
...
Mas eu ainda gostaria de agradecê-lo...
...
Justin, a princípio, ficou em choque.
Eu vi esse menino...Mal posso acreditar. – O tempo todo, era ele o quarto espírito.
Sim, era ele.
...
Me perguntaram – e eu não vou dizer quem foi, afinal, é óbvio – Por que salgar e queimar os ossos do Ben consertou toda a minha situação, já que havia mais dois espíritos. Eu agradeço a pergunta, por que eu mesma a fiz pra mim e conseqüentemente para o Justin. A resposta é bem mais simples do que parece:
O centro de tudo era o Ben. Ele não chegou a tocar em mim ou a deixar explicito todo o seu desejo de sangue. Não. Mas foi por culpa dele que a Sofia e a Elisa morreram. Os espíritos delas estavam cheios de ódio e sedentos de vingança por culpa dele (ou da força que roubou o juízo dele). É como um círculo vicioso e sem fim. Alguém as evoca, elas – cegas pela negatividade de suas almas – Enxergam em qualquer um, o rosto de seu próprio assassino.
Salgar e queimar os ossos de Ben, é o mesmo que dar o alívio a corações cansados e pesados de raiva. Foi a chave para destrancar o cadeado das correntes.
É por isso que eu me salvei =D.
...
Agora eu não tenho muito sobre o que me queixar. Nem sobre meu pai ou sobre minha vida social. Encontrei a Lucy na escola, ela acabou puxando o assunto do cemitério e eu disse a ela que eu havia surtado temporariamente, mas que agora já estava melhor.
- Você me assustou com aquela história de “É real...” – ela riu.
Sei que não posso contar a verdade – por que Lucy também não acreditaria em mim – ou sutilmente confessar a ela todo o terror que vivi. Não desejo a ninguém as coisas que passei e prefiro que minha melhor amiga não conheça o que acabei conhecendo...
Eu tento esquecer e sei que um dia consigo.
Justin me chamou para ir ao cinema. Eu acho que vou... Será?
Meu pai disse que eu tenho que me divertir um pouco. Desconfio que ele esteja saindo com alguém... Talvez a Célia, sua secretária e cão de guarda. Quem sabe eu o obedeça... Ou espere um pouco mais.
Não sei.
Também, não posso deixar minha avó sozinha, ela está tão velhinha... Doente.
...
...
Ainda mais agora que ela anda conversando sozinha. Agora que ela fica sem sono e caminha perdida pela casa...
Não posso deixá-la sozinha...
Ou posso?
Minha avó.
Ela continua sentada em sua cozinha, olhando pela janela, o mesmo puteal abandonado. Um daqueles no bosque... Tudo parece igual.
Igual...
A não ser pela vivacidade estranha que brotou em seu olhar.
A não ser por isso...
...
...
...
...
...
Inté?
...
...
ò.Ó
...
Abração =D

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Atividade Paranormal


Eu e alguns amiguinhos meio loucos, passamos por uma experiência incrivelmente assustadora!! Não, nós não vimos nenhum espírito e nem evocados tais entidades, nós simplesmente fomos assistir Atividade Paranormal no cinema.
Foi engraçado no início, a gente riu das piadas, achou algumas partes meio sem graça, até pensou em ir embora, mas depois... Meu Deus e que DEPOIS!!!
Todo mundo que tava na sala do cinema com gente gritou, um amigo meu abaixou a cabeça e fechou os olhos, quase chorou e um outro se encolheu e berrou que nem um louco.
Foi incrível mesmo, nossa, quase indescritível!
Quando saímos da sala, uma amiga minha mal conseguia falar. Estava assustada, andava olhando para os lados e tals... eu cheguei com ela na boa e perguntei se ela estava com medo. Coitada... Medo era pouco.
Todo mundo que tava com a gente ficou diferente depois do filme. Praticamente todo mundo não dormiu naquela noite, ou disse ter ficado traumatizado.
Eu adorei o filme, tô recomendando pro povo que curte filmes assim.
Atividade paranormal é realmente perturbador!!!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Capítulo XX – Final?



O tempo não precisava mais passar, ou então não existir mais. Eu não me importava. Continuamos sentados em silêncio por quase uma hora, ambos capturados por seus próprios anseios. Como sempre, eu nunca consegui adivinhar o que Justin pensava, mas me sentia péssima. Era como perceber a morte sentada bem ao seu lado, esperando o momento certo de te abater e gentilmente roubar a sua alma. Não tinha medo de morrer, tinha medo da dor que eu poderia sentir e das últimas coisas que eu por acaso veria.
A Natasha havia acabado de ser possuída por um espírito, e a maior culpada de tudo aquilo era eu. A derrota se apoiava em meu ombro e sussurrava “Vamos, se entregue... Pare de lutar. Não adianta, minha cara”. Tive vontade de desistir.

Suspirei.

- Tenho que ir embora.

Justin contraiu a mandíbula.

- Sua casa é perigosa.

- Eu sei – sibilei – Mas não posso passar a noite aqui...

Ele respirou fundo.

- Vou te levar pra casa. Quem sabe o quarto espírito tenta se comunicar de novo...

- Então você acha que o quarto espírito quer nos ajudar?

- ... Não custa nada tentar, não é?

Mordi o lábio.

- Onde Ben estará enterrado?

...

...

Justin e eu saímos depois de levar Natasha até seu quarto. Ela ressonava com um ar cansado e continuava um pouco pálida. Não pude fazer muita coisa, a não ser rezar para que aquilo não acontecesse novamente. Ela era ruim, mas eu era a maior culpada.

Antes de irmos, ele pediu que eu o esperasse apanhar algumas coisas na garagem. Voltou com uma enorme mochila pesada.

Pegamos um táxi e fomos até minha casa.

Estava morrendo de medo, afinal, havia acabado de ver uma garota possuída por um espírito enraivecido e que desejava a minha morte. O pior era saber que esse mesmo espírito, mais alguns outros, havia escolhido minha casa para fazer morada. Temi o que encontraria quando chegasse e se conseguiria preservar minha vida até clarear.

Pensei também em meu pai, então o meu medo só aumentou.

Justin continuou preso em seus pensamentos, tentando passar uma calma que eu sabia não existir mais. Fechei meu rosto com dor de cabeça, começando a imaginar como tudo aconteceria. Como eu morreria.

Chegamos. O táxi nos deixou a poucos metros da porta principal. Justin pagou e disse ao taxista que já poderia ir embora. Estranhei.

- Você... Como você vai embora depois?

- Não vou embora.

Preferi não perguntar mais nada. Na verdade eu me sentia melhor sabendo disso.

Trocávamos olhares semelhantes, como se perguntássemos um ao outro se tínhamos coragem o bastante para prosseguir. Enfim, quando ele deu o primeiro passo, decidi fazer das tripas, coração.

Entramos, a porta estava destrancada e as luzes todas apagadas. O cheiro gelado dos móveis me dava calafrios, mas não tanto como antes.

Andávamos com leveza, enquanto vagarosamente acendíamos todas as luzes. Mal pude acreditar no estado de organização em que minha casa se encontrava, numa aparente calma, como resultado de um cotidiano normal e sem muitas surpresas. Mas eu sabia... Estava tudo muito errado. Era como se nossas vidas estivessem prestes a serem roubadas.  

Vasculhamos todos os cômodos, nos deparando com uma enorme sensação de estupidez. Meu quarto estava do mesmo jeito, não havia mancha em lugar nenhum e as lâmpadas funcionavam perfeitamente. Nos empenhamos em achar meu pai, caído ou perturbado em algum lugar, mas ele havia desaparecido. Pensei então em minha avó, mas ela dormia serenamente em seu quartinho escuro.

- Acha que eles se foram? – perguntei.

Justin caminhava ao meu lado no corredor.

- Querem que você fique sozinha. Por isso estão tão calados.

Peguei o pingente do cordão.

- Eu estou protegida...

Justin olhou de soslaio para mim.

- Talvez não o suficiente.

Estremeci.

Segui Justin até a sala. Nos sentamos sem muitas palavras.

...

Estava cansada, tanto que depois da primeira hora, minhas pálpebras ficaram pesadas como pedras. Justin vislumbrava o nada, alternando olhares preocupados para o meu silêncio. Havia sentado longe novamente, mas era como estivesse no lugar exato para ficar próximo. Encostei minha cabeça no sofá e fechei os olhos.

- Você parece cansada...

- Não posso dormir... – sibilei ainda de olhos fechados.

Justin então não falou mais nada, pelo menos até eu perder a consciência.

...

Tive um sonho estranho... Tão estranho que parecia real. Abria um pouco os olhos, e via meu pai ao lado de Justin, ambos sentados no sofá. Os dois olhavam para mim, como se vigiassem meu sono. Sim, eu estava dormindo. Então abri melhor os olhos e percebi que apenas Justin me olhava. Tentei me sentar no sofá, mas ele me advertiu.

- Não se preocupe. Pode voltar a dormir.

Ainda abri os lábios para negar, porém, meus olhos pesaram novamente.

Acordei ofegante às três da manhã, até perceber que havia caído do sofá.

Olhei ao redor e me dei conta de que estava sozinha.

O ar era realmente muito frio e meus dentes começaram a ranger. A casa parecia mais escura e tudo havia emudecido. Onde estaria Justin? Me levantei e pensei em esperá-lo. Apertei o pingente do cordão e ouvi algo bater no andar de cima.

- Justin?

A batida continuou.

- Justin, você está aí em cima? – sentia o medo me apunhalar pelas costas!

As batidas continuaram, mas mudaram de direção. Sabia... Elas se direcionavam para a escada, e conseqüentemente para o andar de baixo. Pensei em fugir, mas onde estaria Justin? O que aconteceria com ele? O pingente do cordão começou a pinicar meu pescoço. A marca em meu pulso começou a queimar e o meu coração acelerou, a medida que o incômodo aumentava. Tive vontade de gritar, mas então eu me entregaria finalmente. Decidi suportar aquilo calada e encontrar meu amigo.

Fui em direção às escadas, mas algo um pouco disforme surgiu no vão, em baixo da fluorescente. Como estava um pouco escuro, não identifiquei quem era.

- Justin...?

A Sofia abraçava o Ted, com os olhos sujos de sangue. Ela surgiu na penumbra, precedida de um homem com o rosto deformado, envolto num casacão preto, em baixo de um chapéu. A batida havia parado, enquanto seus passos suaves desciam os degraus, sem pressa, me fazendo tremer.

Quando pensei que enfim eles me matariam, os dois simplesmente pararam. Imóveis e assustadores, com suas fisionomias destruídas e comidas por vermes. Olhando-me sem piedade, sem ânimo, com aquela dor ensurdecedora a gritar nos meus ouvidos.

Algo se mexeu na cozinha.

Eu estava parada, pronta a correr a inúmeras direções inúteis, até minha visão periférica acusar a presença de mais alguém. Pensei em não dar atenção, mas não podia, não conseguia! Caminhei de costas e sutilmente, quase sem tirar os olhos dos dois espíritos parados na minha frente. Mal pude acreditar...

Aquele vestido, aquele cabelo, aquele cheiro... Quantas noites eu esperei por ela? Por algum vestígio da presença dela? E agora eu podia senti-la... Podia vê-la. Não sem cor e cansada num caixão, mas sim como eu me lembrava dela.

Minha mãe.

Escondia-se um pouco no escuro, mas eu quase enxergava seu rosto. Meus olhos se encheram de água, mas era felicidade, não sabia se podia, mas sentia. Ela abriu seus braços para mim, para me proteger... Era ela, o quarto espírito?

- Mamãe...

Sofia e Ben desapareceram. Não havia me dado conta de absolutamente nada. Enquanto eu andava até minha mãe, percebi que o cordão queimava minha pele, a deixava seca, áspera e cheia de escamas. Roubava meu fôlego e pesava demais. Ainda hesitei, mas o puxei com toda a força do meu pescoço.

- Filha...

Ela ainda tinha os braços abertos para mim. A marca em meu pulso estava quente. Muito quente. O cordão ficou caído no chão. Senti-me culpada por isso, mas não conseguia mais suportá-lo.

Estiquei as mãos para tocá-la, até que o rosto cadavérico de outra mulher me tirou a calma.

- Venha para a mamãe.

Aquele deveria ser o rosto de Elisa. Eu havia me enganado. Não. Não! Não era o quarto espírito! Minha mãe nunca esteve lá. Nunca. Aquela voz fina e praguejante assombrava meus tímpanos, suas mãos frias e escabrosas tocaram meu braço, até eu me lançar para fora da cozinha.

Corri desesperada, e então esbarrei em meu pai.

Ele tinha o olhar frio.

- Pai? Pai... – eu o abracei – me ajude pai, preciso sair daqui, preciso fugir!!

Ele segurou meus braços com força.

- Você não vai a lugar algum.

Olhei bem em seus olhos, achando-os enrijecidos por uma espécie de ira. Ele me abraçou apertado por trás, machucando meu corpo e me deixando imobilizada. Me arrastou até a garagem, enquanto grunhia e balbuciava palavras sem sentido. Sua aparência estava horrível, ele parecia um lunático conversando com sua própria sombra. A medida que as coisas avançavam, eu tinha mais certeza de que ele acabaria com a minha vida.

O tempo não precisava mais passar, ou então não existir mais. Mas agora eu me importava. Me sentia plenamente viva, lúcida, com o sangue quente pulsando em minhas veias. Imaginei meu cruel e triste destino, morta pelo próprio pai, sem piedade, culpada também pela morte de um jovem que nada tinha a ver com nada. Era isso. Justin deveria estar morto.

...

Meu pai me atirou contra a parede. Bati a cabeça e caí sem forças no chão. Minha vista ficou meio turva, mas ainda consegui ver que não estávamos sozinhos. No canto da garagem, perto da caixa de ferramentas, Justin jazia inconsciente no chão. Ele ainda respirava, mas sua cabeça estava sangrando. Perguntei-me se realmente sonhara quando o vi sentando ao lado de meu pai... O que poderia ter acontecido? Eu já imaginava.

Meu pai me puxou pelos cabelos.

- Agora você vai pagar... Sua malcriada... – Ele me obrigou a sentar em uma cadeira.

- Pai, não... Não... – Comecei a chorar – Não dê ouvidos a eles... Por favor... Não me faça mal...

Minha garganta estava quase fechada. De nervoso, de pânico! Estranhei meu pai começar a chorar, vendo uma piedade fulgurar em seus olhos secos.

- Eu tenho que ser um bom pai, não tenho – acariciou meu rosto – Tenho que educar minha filha... – Eu não o conhecia. Não à sua perversidade.

- Por favor... – implorei.

Ele esbofeteou meu rosto.

- Cale a boca. – gritou.

Eu estava tremendo. Foi então que percebi que meu pai tinha uma corda em suas mãos. Não... era aquilo, era assim que ficaria? Virei meu pescoço para não vê-lo me amarrar, as lágrimas haviam se apossado dos meus olhos tão rapidamente! Tentei não soluçar alto. Me sentia cada vez mais cansada. Pensei estar tendo alguma alucinação quando vi Justin se movimentar, acordando de um violento nocaute.  De algum jeito, porém, sentia que era tarde demais.

As cordas estavam muito apertadas e eu não sabia o que esperar. Meu pai veio para perto e beijou minha testa.

- Eu te amo.

Suas mãos frias envolveram meu pescoço sem muito esforço. O toque sem vontade se solidificou, até explodir em ódio. Enquanto meu próprio pai me matava enforcada, podia ver sombras nos rodearem. Alguns sorrisos disformes, alguns olhos sujos de linfa, enquanto eu tentava me libertar das cordas e escapar das mãos dele.

“Vamos, se entregue... Pare de lutar. Não adianta, minha cara”. Aquela voz queria roubar o resto das minhas forças e me forçar a dormir entre a dor do sufocamento. Ao lado dele, aquele rosto ruim a me olhar e a se deliciar. Sussurrando aquelas vontades em seus ouvidos... Aquela mulher maldita. Elisa. Minha vista começou a enegrecer. Quis implorar novamente por minha vida, mas ela estava deslizando para fora de mim.

Com os olhos arregalados de desespero, eu o contemplei me encarar. Sim. Essa seria a última coisa que eu veria. O medo, a raiva, o ódio do meu pai. Seus olhos de bicho a me morderem. A vivacidade, enquanto tudo dentro de mim se apagava.

...

Não sabia o que pensar. Não lembrei minha vida e nem nada. Só encontrei sombras. Sombras. E aquela sombra não foi diferente das outras que vagavam perto de mim. Mas aquela sombra tinha olhos azuis e um ar diferente, até eu perceber que ela também possuía força. A força que abateu o meu suposto assassino. Os olhos de ódio perderam o brilho devagar, até as mãos soltarem meu pescoço e eu saber de novo o que era oxigênio.

Ainda entre aquele pesadelo e a realidade, Justin se apressou em desamarrar as cordas que me prendiam. Eu ofegava, sentindo uma dor enorme despedaçar a minha cabeça.

- Amy? Amy, tá tudo bem?!

Eu mal podia falar.

- Tá... – meu rosto se contorceu. – ele ia... – minha voz era rouca.

- Ia sim. Mas não vai mais. – Justin estava nervoso. Era a primeira vez que o via daquele jeito. – Foi um erro virmos para cá, precisamos ir embora agora!

Eu estava livre. Justin me ajudou a caminhar, pois ainda me sentia tonta, então alcançamos a porta que levava até a parte de trás da cozinha. O sangue em sua cabeça havia secado. Saímos, sendo envolvidos por vozes e batidas violentas no andar de cima. Os espíritos deveriam estar furiosos conosco, podíamos sentir a atmosfera pesar sobre nossos ombros.

Justin catou o cordão com o crucifixo no chão e o entregou a mim.

- Isso incomoda por causa da maldição... Não tire de novo ou tudo ficará pior.

Calei e recoloquei o cordão em meu pescoço. Ele formigou e fez meu coração bater mais rápido novamente. Justin pegou sua mochila e nós dois nos dirigimos até a porta.

- Amy! – ouvimos meu pai gritar. Sua silhueta saía desengonçada detrás da porta da cozinha.

Ainda pensei em ver o que aconteceria, mas ele havia acabado de tentar me matar, então nós dois corremos para fora. As vozes e as batidas aumentaram, enquanto um vento gelado e aparentemente forte jogava areia em nossos olhos. O dia estava quase amanhecendo e o céu vermelho dava um ar assustador à minha obscura casa. Olhei para o vidro da janela do meu quarto e avistei Sofia. Ela parecia uma nuvem de fumaça, mas ao abrir a boca, soltou um grito altíssimo que me fez tapar os ouvidos. As folhas das árvores se eriçaram, balançando de lado para o outro como se quisessem escapar. A porta da frente tremia, enquanto que vidros se quebravam bruscamente. Podíamos sentir a força negativa daqueles seres a tentarem nos aprisionar. Uma sensação de cansaço e peso quase nos fez ceder.

Meu pai abriu a porta com voracidade, tendo nas mãos, uma faca enorme e lustrosa. Vinha meio cambaleante em nossa direção.

- E agora, o que faremos? – perguntei caminhando para trás.

Justin respirava rápido.

- Não sei, não sei!

Senti uma mão gelada tocar aflita na minha. Algo que vinha por trás.

- Amy, por favor, precisa vir comigo.

Ainda estava apavorada com o susto, mas dei atenção ao pequeno Daniel.

- O que houve? É perigoso ficar aqui. – alternava os olhares para ele e para a figura tonta de meu pai que se aproximava.

- Eu sei, eu sei – ele parecia angustiado. – É por isso que você precisa vir comigo... Precisa!

Eu mal conseguia ouvir sua voz. A areia em nossos olhos também não deixava que nos víssemos melhor. Ele então pegou em minha mão e saiu me puxando para o bosque. Tive tempo de olhar Justin e tentar pedir que viesse conosco, mas ele virou o rosto e correu em direção ao meu pai. Por mais idiota que ele me parecesse, agora agia com uma coragem desconcertante.

Daniel tinha força, apesar de ficar cada vez mais gelado. Quando os primeiros raios de sol iluminaram a trilha, ele me puxou para o lado esquerdo, no meio de espinhos e plantas viscosas, escorregamos num declive de folhas lisas e terra preta. Eu estava ficando assustada, pois não sabia onde exatamente ele estava me levando e muito menos por que. Então, quando eu já ofegava e temia o que estaria acontecendo com Justin e meu pai, Daniel me mostrou uma clareira. Era um lugar amplo, um pouco escuro pela abóbada da copa das árvores e de aparência funesta. Ele parou de caminhar e centralizou o olhar para um puteal meio apodrecido. Parecia bastante com aquele atrás da cozinha da minha casa, mas eu não entendia. Havia mais espalhados pelo bosque?

Parei de caminhar, e Daniel sutilmente soltou minha mão. Com o olhar estranhamente pousado sobre aquela espécie de poço, ficamos em silêncio por um longo tempo. De alguma forma, me senti muito sozinha por estar ali. Por mais que o menino estivesse ao meu lado, era como se não houvesse mais ninguém. O medo e o silêncio de seus olhos me fizeram entender... Eu deveria fazer aquilo. Fosse o que fosse.

Respirei fundo e caminhei em direção ao puteal. A terra era fofa no meio da clareira e quase não havia luz do sol. Segui hesitante, até virar o pescoço para ver Daniel. Para minha surpresa, ele havia desaparecido. Agora eu realmente estava sozinha. Cheguei mais perto e senti um cheiro horrível escapar pelas frestas. Por mais que eu tivesse medo, sabia que ali estava a chave de todo o mistério.

- Mas... Como?

Não precisava perguntar ou buscar explicações lógicas. Com a pouca força que tinha, empurrei o enorme bloco de concreto que tapava a o puteal. Depois de muito esforço, consegui movê-lo até a metade, então parei e recuperei o fôlego. Alguns pássaros passaram assustados por sobre a minha cabeça. Recomecei.

O lume do bosque, ferroado pelo fedor que saia lá de dentro, me fizeram saber o que havia lá.

Uma ossada.

Tapei a boca o nariz com as mãos. E agora, o que eu faria? Meu coração acelerou. Algo se mexeu entre os arbusto ao redor da clareira. Eles estavam ali para enfim acabar comigo.

...

Justin sangrava. A principio ele sorriu para mim, mas eu sabia que ele estava ferido. Corri em sua direção, enquanto ele encolhia o tronco, ajeitando a mochila nas costas.
- Meu Deus, tá tudo bem?
Ele esticou a mão para que eu me afastasse.
- Seu pai é forte, mas não é dois. – ele riu.
- Como você chegou até aqui? – silvei.
Justin caminhou com dificuldade para perto do puteal.
- Um menino... Ele disse que você estava me esperando.
Mordi o lábio.
Justin olhou os ossos dentro do vão.
- Então era aqui que dormia o nosso amiguinho?
Sorri com alívio.
- Tomara mesmo...
Percebi algo se mover entre os galhos. Sombras... Ouvimos gemidos.
- Justin... – implorei. Ele tinha que ter uma solução prática. Os espíritos haviam chegado.
Seu rosto ficou sério. Forçando-se a caminhar mais rápido, ele tirou da bolsa que trazia consigo, um vidro médio e uma enorme garrafa, cheia de um liquido amarelado. Enquanto ele se apressava em despejar o sal sobre a ossada, percebi que a clareira ia diminuindo. As sombras iam se adensando, nos prendendo num tipo de armadilha.
- Rápido Justin!!!
Ele destampou a garrafa e jogou toda a gasolina sobre o sal. Quando então as sombras espessas estavam prestes a nos devorar, ele ateou fogo nos ossos, fazendo com que os espectros recuassem, em meio a sussurros e gemidos de dor. Olhamos para as árvores ao redor da clareira, e avistamos Sofia, Ben e Elisa a se consumirem pelas chamas. O bosque ficou em silêncio depois que todos os animais se encolheram de medo.
...
- Estamos salvos?
Justin expirou.
- Eu espero que sim.
...
...
...
...
CURTAM O POSFÁCIL.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Capítulo XIX – O quarto espirito


Olhei para a lâmpada amarelada que pendulava acima do rosto de Justin, assistindo-a mover-se num apagar esdrúxulo e oscilante. Contemplamos teto escuro e o breu, seguidos de nossas respirações amedrontadas. Enfim, depois de me inclinar para mais perto dele, as luzes voltaram ao normal.
Ouvi-o sibilar enquanto me olhava.
- Temos pouco tempo.

Nos levantamos e pagamos a conta.
- O livro está com você? – perguntei enquanto saíamos apressados do Dik’s.
- Tá sim – ele puxou o livreto do sobretudo e voltou a escondê-lo.
Seguimos a pé até chegarmos ao lado movimentado do Santos Dumont. Logo que dobramos uma avenida, ouvimos a buzina de um carro chamar nossa atenção. Nos viramos e Natasha colocou o rosto para fora da janela do pajero.

- Vocês têm uma boa explicação pra isso?
- Oi pra você também – Justin parou de andar e virou-se irritado para a irmã.
- Não me chamaram para o passei por que?
Justin me abraçou pela cintura.
- Não sabia que você gostava de segurar vela...
Natasha ficou vermelha. Eu não me movia, nem respirava, achei muito estranho o que Justin estava fazendo, ao mesmo tempo em que adorava a expressão de raiva que via impressa no rosto daquela garota. Ela me odiava e estava detestando que seu irmão não sentisse o mesmo. No entanto, eu sabia que era só uma encenação.
Mas por que Justin fazia aquilo? Queria deixá-la zangada?
Eu continuei com minha expressão de inércia.
- Tô indo pra casa – ela ficou séria – quer uma carona?
Ele olhou para mim e concordou.
- A Amy e eu queremos sim.
Natasha bufou.
Entramos no pajero.
...
O estofamento ainda tinha o cheiro forte de cigarro. Os vidros escuros nos deixavam invisíveis e quase protegidos. Justin foi na frente, ao lado da irmã, enquanto eu me mantinha muda na traseira. Por que iríamos até sua casa? Ele estava tentando chatear a irmã mais velha? Podia vê-la me furar com os seus olhos azuis furiosos, através do retrovisor. Com certeza me odiava mais.
Chegamos na casa de Justin e Natasha. Passamos pela fachada iluminada por fluorescentes brancas e atravessamos um pátio ornamentado com flores coloridas em inúmeros vasinhos. Natasha nos acompanhou, enquanto Justin não desgrudava de mim. Ela tentava saber o que eu faria lá, mas Justin não respondeu nenhuma de suas perguntas. Depois de não conseguir respostas, enfiou o rabinho entre as pernas e emudeceu.
Chegamos até uma sala linda, decorada com quadros e abajures de vidro delicados. Havia um sofá gigantesco e uma lareira de pedras marrom. Um homem robusto e ressonante dormia numa poltrona no canto da sala.
Passamos por ele e Justin murmurou:
- Esse dorminhoco aí, é meu pai.
- Ele não vai se zangar por eu estar aqui?
Justin riu da minha pergunta.
- Não vai não.
Natasha nos abandonou, com cara de pouco amigos. Trancou-se em seu quarto, depois de bater a porta e pisar fundo. Justin não lhe deu a menor atenção.
Enquanto andávamos até o final do corredor, tentei entender por que Justin rira de mim quando perguntei se seu pai se zangaria com a presença de uma garota desconhecida em sua casa. Pensei... Antes de mim, já deveriam ter passado por lá, várias outras.
Mas o meu caso era diferente.
Chegamos até a porta de seu quarto. Imaginei que poderíamos ficar em algum outro lugar, no escritório no andar de baixo, por exemplo, mas tive receio de dizer isso a Justin. Afinal, ele estava sendo tão bom comigo... Totalmente o contrário do que pensei que era. Senti que poderia confiar nele, o estimava e temia por sua segurança também.
Ele destrancou a porta e nós entramos.
Me deparei com uma cama perfeitamente arrumada e uma gigantesca estante abarrotada de livros. Havia uma janela de vidros claros, coberta por cortinas azuladas. Era um quarto arrumado e agradável, frio e com cheiro de naftalina.
- Pode ficar a vontade.
Justin tirou o sobretudo e fechou as cortinas.

- Seu quarto é... bem organizado.
Ele riu torto.
Eu estava tremendo.

Sentei na beira da cama e me mantive ereta. Justin se prontificou na cadeira da escrivaninha. Estava relativamente longe e eu não entendi por que. Ele ficou calado por algum tempo, olhando as minhas mãos inquietas se moverem sem rumo em meu colo. Depois de suspirar, levantou-se e começou a averiguar um caixa em baixo da cama.
Eu me inclinei e perguntei.
- Quer ajuda?
- Não... Obrigado...
Observei-o.
Tinha que falar o que estava pensando. Ou então eu sucumbiria até a falência múltipla de órgãos!
- A sua irmã ela... Ela me odeia...
- Isso é um bom sinal.
 Não entendi.
- Por que?
Ele olhou pra mim e sorriu.
- Por que você não é igual a ela.
Continuei sem entender.
- Você parecia irritado com ela... Quando ela apareceu – sibilei.
Ele continuou a remexer uns papéis amassados dentro da caixa.
- Nós somos irmãos, mas eu não aprovo em nada o que ela faz com as pessoas. – Justin observou as letras rabiscadas num papel e voltou a amassá-lo com rapidez. – Pensa que não percebo?
Emudeci. Ele sabia que tinha uma víbora como irmã? – Nossa! Que babado...

- Nossa relação se restringe apenas à caronas até a escola, já que tem carro. Só isso, apesar de todos acharem que eu faço parte do grupinho dela... – ele desviou os olhos.
Enrubesci.
- Eu achava isso...
Justin riu.
- Achava?
- Eu te achava um idiota também.
Ele parou de remexer dentro da caixa e me fitou sereno por um longo tempo.
- Eu já fui um idiota. Há um tempo, com uma certa garota... Quando tive a oportunidade de mostrar a ela que eu não era mais, agarrei-a com força.
Estremeci.
- Agarrou a garota ou a oportunidade? – sorri.
Ele riu e não respondeu. Voltou a vasculhar a caixa.
- Quem é a garota? – murmurei.
Justin voltou a olhar para mim. Seus olhos sorriam, mas ele se deteve.
Novamente não me respondeu.
...
Tirou da caixa, uma minúscula sacola preta. Desatou um fiozinho branco que a fechava e tirou de lá um cordão incrivelmente bonito. Meus olhos brilharam involuntariamente. Ostentados e cheios.
- É bonito, não é? – ele o colocou na palma da mão. – É todo de prata, e esses cristais aqui no centro da cruz, são todos verdadeiros. – ele o estendeu a mim.
- É realmente lindo... – admirei.
- E agora é seu.
Atônita, perguntei.
- Meu? Como assim?
Justin se levantou e sentou-se ao meu lado.
- Gastei cinco meses de mesada nessa peça, cacei-a em lugares inimagináveis até encontrar a verdadeira. É um talismã forte contra espíritos, e no momento, quem mais precisa dele é você.
Meus lábios se entreabriram numa recusa.
Mantive-me calada.
- Eles não poderão tocar num fio de cabelo seu, pelo menos por algum tempo, enquanto achamos o túmulo do Ben.

Eu não podia negá-lo.
- Obrigada. – tentei sorrir. – Espero não ser roubada.
Justin se ofereceu para colocá-lo em mim.
Tentei dizer que não precisava, mas ele insistiu.
- Tá...
...
Ele se inclinou para perto do meu rosto e enfiou suas mãos entre os meus cabelos. Enquanto tentava terminar de colocá-lo, olhava para mim de um jeito estranho... senti vontade de beijá-lo, mas me detive por que seria muito ridículo fazer aquilo, naquela altura do campeonato!
Pare com isso, Amy, pare, pare! – berrei dentro da minha cabeça.

Ouvi um estalido e senti o peso do pingente.
 Pronto, já terminou...
Pensei em respirar aliviada, mas Justin continuou imóvel com o rosto perto do meu. Não entendi por que ele estava fazendo aquilo, tentei me afastar, mas não conseguia, no fundo eu não queria. Poderíamos ficar assim a noite toda...
Suas mãos acariciaram meus cabelos por trás, enquanto ele se aproximava dos meus lábios.
...
Alguém bateu na porta.
...
Foi como um tapa na cara. Eu me encolhi e Justin respirou fundo. Levantou-se e foi ver quem era. Virei-me em direção à porta, para sutilmente dizer “oi”. Estava morrendo de vergonha e conseqüentemente estava com o rosto vermelho.
A Natasha apareceu pálida.
- Vocês podem fazer menos barulho?
- Você se drogou muito hoje? – Justin se irritou.
- Cala boca! Manda essa garota calar a boca. – gritou.
Eu não entendi nada, a Natasha tava muito pálida, com a boca roxa e as pupilas dilatadas. E nós, Justin e eu falávamos tão baixo, não teria como ela nos ouvir do seu quarto. Temi o que estava prestes a acontecer.
Me levantei da cama.
- Justin... – sussurrei.
A Natasha enfiou as mãos entre seus cabelos, encolhendo o corpo de uma maneira perturbada.
- Calem a boca, parem de gritar!!
Justin olhou para mim com uma cara preocupada. Eu estava apavorada.
- Meu Deus...
Vi a garota mais popular e prepotente do mundo (o meu) desabar inconsciente. Corri em direção a ela, sem saber o que estava acontecendo. Justin carregou-a até sua cama e saiu para procurar um vidro de álcool no armário do banheiro, pedindo a mim que ficasse de olho em sua irmã.
Sentei-me ao seu lado na cama e procurei seu pulso.
Ela não tinha.
Estava tão fria...
- Meu Deus...
 Passei a mão na testa.
Ela estava morta... Morta... Tínhamos que procurar socorro rápido!
- Meu Deus...
De repente, senti sua mão fria apertar meu braço.
- Deus está morto!
...
Foi um susto horrível, enquanto eu puxava meu corpo para longe daquele ser horrendo. A garota linda e egocêntrica que eu me acostumara a ver, havia se tornado um tipo de demônio. Seus olhos azuis eram agora esferas pretas, secas, sem vida alguma. Sua pele bem tratada estava sem brilho, tal como a pele de um cadáver.
Ela se ergueu enquanto eu me afastava. Em pânico...
- Lembra de mim, Amy... – eu conhecia aquela voz, ouvira ainda naquela noite, enquanto fugia pela estrada de terra.
- Meu Deus... – meus olhos se encheram de medo.
- Deus está morto! – ela esbravejou.
Justin correu até o quarto. Achou minha cara assustada e sua irmã, com um macabro olhar assassino.
- Natasha...
- Esse é o nome da dona desse corpo? – a garota começou a se arranhar e a gritar.
Justin correu até a escrivaninha e procurou uma garrafa transparente.
Abriu-a e jogou em cima do corpo da irmã, que se debatia e se auto-flagelava.
O líquido chiou quando tocou a pele de Natasha, mas ela não se incomodou em nada.
- A água benta não tá funcionando...
- Meu Deus...
Justin teve outra idéia.
Correu até o sobretudo e pegou o livreto. Caçou uma página e iniciou o que parecia ser um mantra. Eu estava paralisada no canto do quarto.
Justin falava em latim.
...
Natasha parou de se contorcer depois da terceira frase. Imobilizada sobre a cama bagunçada, tinha os olhos parados em mim. Ofegava, com um sorriso mal em seus lábios pálidos.
- Eu vou pegar você...
Me encolhi e desviei os olhos.
Ela ainda se contorceu um pouco antes de voltar a si. Fazia uns sons estranhos e parecia embriagada. Suspirou cansada e adormeceu.
Levei minha mão até a boca, enquanto uma lágrima rolava de um dos meus olhos.
Justin parou de entoar o mantra e fechou o livreto atordoado. Foi para perto da irmã e verificou sua temperatura. Ela estava voltando ao normal.
- O que foi isso? – murmurei.
Ele procurou seu pulso.
- Alguma coisa possuiu o corpo dela.
- Um... um demônio? – uni a sobrancelhas.
- Não... – Justin não olhava para mim – Um demônio não sairia assim tão fácil... Foi um espírito.
- Eles podem fazer esse tipo de coisa? – caminhei para perto da cama.
- Podem. Mas isso depende da pessoa em questão. – Justin ajeitou os braços de sua irmã para que ela não ficasse desconfortável. – Minha irmãzinha aqui tem sido má ultimamente... Um coração mal atrai o mal.
Ofeguei.
- Ela vai ficar bem, não vai?
Justin ficou em silêncio. Parou o que estava fazendo e respirou fundo.
Olhou pra mim.
- Agora ela vai.
Agarrei a cruz pesada do cordão e fechei os olhos devagar. Eu era culpada?

...
...
Sentamos no chão, sem saber o que falar um ao outro.

Era como se tudo ao redor, o oxigênio, o raciocínio, nossas tolas palavras, tudo estivesse se quebrando. Olhei no relógio de cabeceira, dez e cinqüenta e cinco. O que eu faria da minha vida? Para onde eu iria? Como tudo terminaria?
Deixei meus olhos caírem no chão.
- O colar protegeu você... – Justin quebrou o silêncio. – Não te machucaram.
Toquei no colar e sorri.
- É...
- Você faz idéia de quem era? O espírito...?
- Não sei... Quer dizer... Não tenho muita certeza...
- Nomes...?
- Acho que foi a Elisa.
- A mulher?
- Sim... – olhei para Justin – Acho que ela está me seguindo desde a estrada de terra.
Ele suspirou e ficou em silêncio.
...
Era ela, então, sentada no meio fio, com a respiração calma e os olhinhos pretos?
Mas a voz parecia diferente... Não era Elisa. Ouvira sua voz fina e praguejante enquanto corria assustada e podia até sentir suas unhas cravadas em minhas costas. Ela era tão má... Meu Deus. Havia mais algum espírito que eu não conhecia?
A silhueta que falara comigo no meio-fio, possuía uma voz mansa e fraca. Não havia tentado se aproximar de mim ou me fazer mal, e olha que era bem fácil. Se eu estivesse um pouco mais calma...
Não era Elisa... Ela havia me perseguido, tinha certeza! Mas não foi sua voz que me disse aquelas duas frases.
Eram dois espíritos diferentes.
- Ben, Sofia, Elisa... – sibilei – existe um quarto espírito, Justin.
- O quê? – ele se ergueu.
- Existe mais um.
...
...
...
Não sei exatamente por que não contei a Justin que vira uma sombra e ouvira sua voz depois de cair na estrada de terra. Fosse isso, talvez, pelo nervosismo e apreensão que eu me encontrava, ou pelo fato de eu não ter dado devida atenção ao fato. Eu não sabia. Mas depois disso, tudo parecia tão bem definido, as vozes, tão diferentes...
Contei tudo a ele.
- Mas, não poderia ser a Sofia? – questionou.
- A Sofia não tem um vocabulário tão extenso, e mesmo assim, a voz ainda era diferente.
- E o Ben? – continuou.
- Não acredito que seja ele... Era como uma voz de criança...
- Você não imagina quem seja?
- Não... – passei a mão na testa – Eu já ouvi essa voz em algum lugar, mas não sei de quem é...
Justin coçou a cabeça.
- Isso é mal...
Eu não tinha tanta certeza quanto a isso, mas parei para analisar.
- O que essa tal voz te disse mesmo?
- “Você não deveria fugir. A saída está perto de casa”.
Se eu não estivesse tão apavorada, poderia ter estudado melhor toda a situação. O que aquilo significava? Era uma espécie de ajuda?

- Mais um espírito pro time – Justin riu. Sabia que estava preocupado demais para demonstrar.
Meu Deus... Aquilo não poderia piorar...

...

...

...

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Capítulo XVIII – O livreto


- Amy? O que houve?

O meu fôlego fugiu de mim. Meus olhos descansaram e eu consegui destravar os meus músculos.

Era a voz de Justin.

Virei para olhá-lo, agora eu me sentia menos perdida.

Não contive o meu alivio, e quando dei por mim já havia colado o meu rosto em seu ombro, com os braços envoltos em seu tronco e os olhos molhando seu sobretudo escuro. Ele demorou cerca de dois segundos para retribuir e me abraçar ternamente. Percebi que ele não esperava algo como aquilo vindo de mim. Eu o havia surpreendido.

- O que aconteceu...?

Sua voz era mansa e preocupada, enquanto eu tentava parar de chorar e soltá-lo, sutilmente.

Não havia o que responder, se tentasse, as palavras surgiriam como pontas soltas, sem rumo, sem motivos. Nenhum dos dois conseguiria entender absolutamente nada e eu ainda ficaria com a maior cara de idiota depois.

...

Consegui tirar os meus braços de seu corpo, agora me mantendo encolhida, com a cabeça baixa e os olhos caídos no asfalto. Justin continuou perto, olhando para mim em busca de respostas. Além da vergonha, eu estava tonta. Zonza. Aos trapos.

Ele chegou perto do meu rosto e sussurrou:

- Vamos, vou te levar pra um lugar seguro.

Justin me fez sentar na calçada enquanto chamava um táxi pelo celular. Eu evitava olhar para ele, mas podia vê-lo me observar oscilante, desviando os olhos para a rua e para mim.

Sabia que o deixava muito mais aflito com o meu silêncio, mas não tinha ânimo e nem energia para contar aquelas coisas a ele. De algum jeito eu devia me manter muda, para não jogar palavras em vão.

O frio penetrava em meus ossos. Me agarrei ao casaco e olhei para o céu.

Menos de três segundos.

...

O siena branco surgiu na rua, Justin fez sinal e ele parou. Depois de cumprimentar o taxista com um aceno de cabeça, Justin foi para perto de mim e se agachou.

Olhou para mim por algum tempo, enquanto eu levantava os olhos para ele.

Foi só um sorriso. Um sorriso consolador a uma garota assustada.

Ele me ergueu a mão e eu a peguei, após hesitar um pouco.

...

Estávamos dentro do táxi, vendo as figuras se distorcerem enquanto passávamos em alta velocidade. Me mantive com a cabeça baixa, sentindo meus cabelos aquecerem minha nuca. Justin olhava para mim, com os olhos fixos e indecifráveis. Talvez esperasse que eu sibilasse algo esclarecedor, que não o fizesse imaginar que a idéia do sal fora uma grande idiotice da sua parte. Talvez ele se sentisse culpado e não conseguisse esperar que eu, enfim, lhe roubasse toda a sensação de culpa, caso estivesse equivocado.

O silêncio instalou-se como uma quarta pessoa.

Perturbador...

...

O estofado era frio e o taxista olhava para nós dois pelo retrovisor interno do veículo. Levemente aturdido, tentando descobrir por que tipo de apuros nós dois estávamos passando. Acredito que milhares de hipóteses surgiram em sua cabeça, olhando tão de perto uma garota abatida, achada numa calçada fria sendo acompanhada por um garoto preocupado.

Suspirei.

O taxista ajeitou o retrovisor.

- Vocês são irmãos?

Olhei furtivamente para Justin, logo depois baixei os olhos e respirei fundo. Era a primeira tentativa de saciar curiosidades. Esperei que meu parceiro de assento nos livrasse de mais perguntas.

Justin tentou descontrair o clima, impondo uma fala mais despojada.

- Somos sim. – olhou para mim em busca de aprovação. Permaneci sem olhar para ele, mesmo vendo perifericamente a sua apreensão mascarada.

O taxista assentiu com a cabeça, um tanto incrédulo. Tamborilou levemente os dedos no volante, desconfiado.

Imaginei que ele fosse ficar em silêncio e não mais falar nada. Justin também, pareceu meio avulso para mentiras, mesmo aquelas mais ridículas e apelativas. Talvez o seu tato estivesse temporariamente inativo. Ele poderia se esforçar e finalmente estragar tudo.

Eu queria apenas chegar a um consenso comigo mesma. Precisava parar de rodar e rodar em torno dos meus medos. Tinha que achar um equilíbrio entre as coisas que estavam me consumindo.

Respirei fundo e amassei os dedos, dirigindo os olhos para os vidros da janela do carro.

- A mocinha parece assustada...

Eu realmente me assustei quando a voz do taxista me puxou para fora dos meus próprios pensamentos. Virei a cabeça bruscamente para olhar a feição que deveria me fitar através do retrovisor do veículo.

Justin riu amarelo.

- Ela foi roubada...

Olhei para o escuro e duvidoso olhar do taxista. Obriguei-o a acreditar em mim.

Ele assentiu com a cabeça.

- Cidade perigosa...

Justin olhou para mim de soslaio.

- E como.

O homem se calou. Que tipo de pecado terrível nós dois poderíamos ter cometido? Soávamos quase inúteis, quase como esboços de gente. Não tínhamos nenhuma aparência incomum e nem parecíamos perigosos. Justin e eu apenas exalávamos a eloqüente sensação de temor. Perturbação. Qualquer um percebia a nossa aflição.

Não sabia para onde estávamos indo, passamos mais devagar pela frente da igreja, vendo suas portas de vidro colorido fechadas. A princípio, pensei que Justin me levaria para sua casa, mas ele nem ao menos entortou os olhos para vê-la.

Olhei para meu amigo de assento, o que estaria pensando naquele momento?

Dez minutos e Justin se pronunciou:

- Aqui, amigo...

O táxi parou. Olhei para fora, vendo uma semi-iluminada fachada de algo que parecia um restaurante. Uni a sobrancelhas e tentei lembrar se conhecia aquele estranho lugar.

Justin pagou o motorista e abriu a porta. Saindo dos meus raciocínios, destravei a porta do veiculo e saí também, ainda ouvindo o leve “boa noite” do taxista.

Parei cerca de vinte metros em frente ao estranho lugar e o observei.

O táxi cantou pneu atrás de mim. Justin estava parado e quieto ao meu lado.

O vento atravessou meu corpo, enquanto nos víamos totalmente sozinhos.

- Que lugar é este? – sibilei.

Justin virou o rosto para mim e sorriu torto.

- Meu antro particular.

Não havia graça naquilo que me pareceu uma piada.

Continuei olhando para as luzes avermelhadas que formavam o nome “Dik’s” no alto de um prediozinho. Havia um conjunto de caminhos estreitos e limpos que levavam até a entrada do lugar. Era silencioso e um pouco escuro depois de uma porta de vidro. Ao redor, alguns carros sem nitidez jaziam parados, todos sendo fixados por um lume fraco. Havia algumas árvores encolhidas por cima de um gramado aparado e sombrio. Rodei os olhos e não achei uma alma viva por perto. Por mais contraditório que pareça, eu me senti melhor. Me senti quase inteira.

Podia fazer uma cara de choro e não pagar de idiota.

- Antes que você me explique alguma coisa, e você vai me explicar – Justin ficou de frente para mim – A gente vai entrar e você vai comer.

Não respondi. Fiquei olhando para ele, tinha que dizer que não conseguiria comer nada. Não queria comer nada.

- Tá legal?

Continuei muda.

Justin tocou meu ombro, num gesto de cumplicidade.

- Tá legal...? – repetiu.

Demorei, mas assenti com a cabeça.

Caminhamos devagar até a porta, Justin a abriu para que eu entrasse primeiro, mas não tive coragem de encarar o que havia dentro do estabelecimento. Não desejava que as pessoas normais lá dentro se assustassem com a minha fisionomia horrenda, e nem queria me sentir ainda pior com a força violenta de cada olhar. Ele respirou fundo, devia estar me achando muito teimosa por aquele recusa. Por fim, Justin tomou a frente e entrou primeiro. Eu o segui, agarrada ao meu casaco, tentando não parecer tão estarrecida quanto eu já era.

Preparei-me para os cortantes olhares, mas tudo que encontrei foram pessoas acídias e fúnebres como eu, semi-enterradas em cadeiras acolchoadas, sussurrando conversas mornas num burburinho inaudível. Parei e respirei. Ninguém nos enxergou.

A luz fraca, alternando para o vermelho e o marrom, mostravam que quase tudo e todos eram engolidos pelo escuro. O ar frio e ao mesmo tempo acolhedor inebriava com um tipo de sono, puxando corpos cansados a um cantinho reservado e aparentemente seguro. Nunca me senti tão bem num lugar público.

Justin tirou minha atenção.

- Vamos sentar, Amy.

Nos acomodamos. Ainda tentei achar algo que me mostrasse que aquele lugar era só uma alucinação calma da minha cabeça, mas não encontrei nada que comprovasse a minha tese. Não sei se o som que nos circundava era algum tipo de canção, mesmo sentindo que ele me levava a perceber uma melodia. Ainda que meus temores estivesse pesando dentro do meu corpo magro, era como se todos ali fossem exatamente como eu.

Respirei o ar gelado e olhei para Justin, com o rosto sério e as mãos cruzadas sobre a mesa.

- Que lugar é esse? – inclinei meu corpo para frente.

O lume amarelado de uma lâmpada minúscula que pendulava acima do rosto de meu amigo, o deixava assustadoramente com uma feição madura. Seu olhar apelativo buscava as respostas no meu, pairando ainda meio longe da minha pergunta.

O vi levantar a mão e fazer sinal para uma mulher no canto do estabelecimento. Imaginei que Justin não me responderia, que até mesmo estivesse zangado comigo por algum motivo que eu não sabia. Recuei e me mantive calada. Ele olhava de soslaio um simplório menu no centro da mesa.

A mulher que chegou até nós, era extremamente peculiar. Tanto por sua fisionomia oca, tanto pelas cores fortes e soturnas que escureciam seu olhar esverdeado. Os cabelos de um louro branco a fizeram parecer exatamente mais branca que eu. Quase não acreditei. Ela não tinha expressão nenhuma.

- O que vão querer?

Não falei nada.

Justin olhou pra mim. Sabia que não esperava nada mais que meu silêncio.

- Traga um chocolate quente e alguns biscoitos de mel.

A mulher assentiu com a cabeça e se retirou.

Cruzei os braços. Não comeria aquilo, não estava com fome.

- Descobri esse lugar sem querer. – Justin quebrou o gelo – Tinha brigado com meu pai, fiquei andando sem ter pra onde ir... Entrei por curiosidade e acabei gostando.

- É estranho... – demorei pra responder.

Justin se inclinou para frente.

- Pensei que pareceria seguro...


Quis dizer a Justin que parecia realmente muito seguro, mas me mantive calada. Respirava o fôlego cansado dos meus pulmões e olhava seu rosto perante o meu. Ele não desviava os olhos, me dando uma nítida impressão de serenidade.

- Vai me contar o que aconteceu?

A voz dele sempre era calma quando me fazia aquelas perguntas difíceis. Enquanto eu tentava não me contorcer ou acreditar que estava sendo espionada por eles, respirei fundo e me inclinei para a mesa. Minhas mãos começaram a tremer enquanto eu buscava um pouco de indiferença.

“Comece do início e tudo fica mais fácil...”.

Aquele consolo medíocre nunca ajudava.


- Não sei... Não sei o que aconteceu... – passei a mão na testa – quer dizer, eu sei...

- Relaxa Amy...

Olhei pra ele e respirei fundo.

...

...

Justin ficou muito estranho. Agitado quando eu terminei de contar os fatos do capítulo anterior. A mulher dos olhos verdes trouxe o pedido e ele sibilou:

- Você precisa comer...

A aparência dos biscoitos era realmente muito boa. Então meu estômago começou a implorar por eles, quase gritando! Olhei, ainda tentei me negar, mas Justin me fitava, e os olhar me dizia para não criar mais problemas.

Acabei comendo.

- Não imaginei que chegaríamos a esse ponto. – ele cortou o silêncio – o sal sempre funcionou com espíritos ruins...

- Eu acho que eles ficaram mais fortes...

- Ou mais furiosos.

Estremeci.

- Sou uma burra mesmo...

- A culpa não é sua, Amy. Se culpar não adianta nada...

- Você vai me ajudar não vai? – grunhi.

Justin se inclinou para a mesa.

- Vou dar tudo de mim pra te ajudar.

Me senti melhor. Depois o olhar dele me incomodou.

...

- Como a gente começa isso? – perguntei.

Ele respirou fundo.

- Esse assunto sempre me instigou. Antes de conhecer você eu já lia sobre espíritos, possessões, maldiçoes, coisas do tipo. Sempre imaginei que talvez isso pudesse me servir, ou que eu poderia fazer algo com base no que sabia sobre o assunto. Bom, quando vi a marca no seu pulso, pressupôs dois caminhos pra você: Ou você morreria ou então se livraria da maldição. Mas então, você parecia tão assustada, e eu percebi que você não sabia o que fazer.

Ouvia tudo sem piscar.

Ele continuou.

- Foi difícil te convencer, garota. Mas se eu desistisse... Então, depois que você me deixou ajudar, já que isso é o mais importante, fui à biblioteca da escola.

- Na biblioteca da escola?

- É... Por incrível que pareça, eles têm muitos livros sobre bruxaria, atividades paranormais e sobrenaturais. Talvez seja para alguma aula de história mal elaborada, não sei dizer. Sabia que tinha visto a marca no seu pulso, em um dos livros de lá, só não lembrava em qual. Passei a tarde pesquisando, até que eu o encontrei. – Justin puxou de dentro do casaco, um pequeno livro, com uma grossa capa de couro envelhecido. Havia rabiscos confusos e biformes na frente, e umas palavras estranhas no verso.

- Isso é... Latim?

- Algumas palavras sim, mas poucas, consigo entender algumas coisas...

- Você sabe latim?

Ele enrubesceu.

- Um pouco.

Justin abriu o livro e pôs-se a vasculhá-lo. Eu o espreitava, sentindo o ar do Dik’s me abraçar friamente. Olhei para o lado e havia um homem trincado, contemplando o vazio. Logo Justin chamou minha atenção.

- Aqui está! – ofereceu-o a mim.

Puxei a manga do casaco e comparei os desenhos... eram idênticos.

- Então...

- É uma maldição com certeza.

Passei a mão na testa e tentei me manter calma.

- Relaxa Amy...

Ele não tinha outra frase consoladora?

- Aqui diz que alguns espíritos, dependendo de sua força psíquica, podem ferir e até matar pessoas. Marcam o corpo de suas vítimas para que elas não se percam ou tenham a possibilidade de fugir.

- Aí diz o motivo?

- É só cruzar o caminho deles e você já está condenada.

Baixei a cabeça.

Justin olhou para mim por alguns segundos.

- Hei Amy... – olhei para ele – Isso não significa que você seja ruim, ou que mereça morrer... Esses espíritos são movidos por seu ódio cego, onde eles vem em qualquer um o causador de seu sofrimento...

- Eu vou morrer, não vou?

Justin olhou firme pra mim.

- Só se for de velhice.

Acabei rindo.

...

- O sal deveria te manter a salvo deles enquanto eu terminava de pesquisar, mas eles devem estar fortes demais...

- E quanto ao meu pai? O que está havendo com ele?

- Mais uma vítima... É bem provável que eles estejam manipulando seu pai. Brincando com as sensações e com as atitudes dele.

- Acho que ele quer me matar também.

- Ele não quer... Os espíritos que querem.

- Ele corre riscos?

- Todos correm.

...

O relógio se aproximava das nove e quinze da noite.

Justin tinha os olhos colados no livreto.

Eu tentava pegar algo no ar.

- Temos uma chance... – ele sibilou.

- Qual? – acendi os olhos.

- Você sabe onde Ben está enterrado?

Congelei.

As luzes do Dik’s começaram a piscar.
...
...
...