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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Capítulo XIX – O quarto espirito


Olhei para a lâmpada amarelada que pendulava acima do rosto de Justin, assistindo-a mover-se num apagar esdrúxulo e oscilante. Contemplamos teto escuro e o breu, seguidos de nossas respirações amedrontadas. Enfim, depois de me inclinar para mais perto dele, as luzes voltaram ao normal.
Ouvi-o sibilar enquanto me olhava.
- Temos pouco tempo.

Nos levantamos e pagamos a conta.
- O livro está com você? – perguntei enquanto saíamos apressados do Dik’s.
- Tá sim – ele puxou o livreto do sobretudo e voltou a escondê-lo.
Seguimos a pé até chegarmos ao lado movimentado do Santos Dumont. Logo que dobramos uma avenida, ouvimos a buzina de um carro chamar nossa atenção. Nos viramos e Natasha colocou o rosto para fora da janela do pajero.

- Vocês têm uma boa explicação pra isso?
- Oi pra você também – Justin parou de andar e virou-se irritado para a irmã.
- Não me chamaram para o passei por que?
Justin me abraçou pela cintura.
- Não sabia que você gostava de segurar vela...
Natasha ficou vermelha. Eu não me movia, nem respirava, achei muito estranho o que Justin estava fazendo, ao mesmo tempo em que adorava a expressão de raiva que via impressa no rosto daquela garota. Ela me odiava e estava detestando que seu irmão não sentisse o mesmo. No entanto, eu sabia que era só uma encenação.
Mas por que Justin fazia aquilo? Queria deixá-la zangada?
Eu continuei com minha expressão de inércia.
- Tô indo pra casa – ela ficou séria – quer uma carona?
Ele olhou para mim e concordou.
- A Amy e eu queremos sim.
Natasha bufou.
Entramos no pajero.
...
O estofamento ainda tinha o cheiro forte de cigarro. Os vidros escuros nos deixavam invisíveis e quase protegidos. Justin foi na frente, ao lado da irmã, enquanto eu me mantinha muda na traseira. Por que iríamos até sua casa? Ele estava tentando chatear a irmã mais velha? Podia vê-la me furar com os seus olhos azuis furiosos, através do retrovisor. Com certeza me odiava mais.
Chegamos na casa de Justin e Natasha. Passamos pela fachada iluminada por fluorescentes brancas e atravessamos um pátio ornamentado com flores coloridas em inúmeros vasinhos. Natasha nos acompanhou, enquanto Justin não desgrudava de mim. Ela tentava saber o que eu faria lá, mas Justin não respondeu nenhuma de suas perguntas. Depois de não conseguir respostas, enfiou o rabinho entre as pernas e emudeceu.
Chegamos até uma sala linda, decorada com quadros e abajures de vidro delicados. Havia um sofá gigantesco e uma lareira de pedras marrom. Um homem robusto e ressonante dormia numa poltrona no canto da sala.
Passamos por ele e Justin murmurou:
- Esse dorminhoco aí, é meu pai.
- Ele não vai se zangar por eu estar aqui?
Justin riu da minha pergunta.
- Não vai não.
Natasha nos abandonou, com cara de pouco amigos. Trancou-se em seu quarto, depois de bater a porta e pisar fundo. Justin não lhe deu a menor atenção.
Enquanto andávamos até o final do corredor, tentei entender por que Justin rira de mim quando perguntei se seu pai se zangaria com a presença de uma garota desconhecida em sua casa. Pensei... Antes de mim, já deveriam ter passado por lá, várias outras.
Mas o meu caso era diferente.
Chegamos até a porta de seu quarto. Imaginei que poderíamos ficar em algum outro lugar, no escritório no andar de baixo, por exemplo, mas tive receio de dizer isso a Justin. Afinal, ele estava sendo tão bom comigo... Totalmente o contrário do que pensei que era. Senti que poderia confiar nele, o estimava e temia por sua segurança também.
Ele destrancou a porta e nós entramos.
Me deparei com uma cama perfeitamente arrumada e uma gigantesca estante abarrotada de livros. Havia uma janela de vidros claros, coberta por cortinas azuladas. Era um quarto arrumado e agradável, frio e com cheiro de naftalina.
- Pode ficar a vontade.
Justin tirou o sobretudo e fechou as cortinas.

- Seu quarto é... bem organizado.
Ele riu torto.
Eu estava tremendo.

Sentei na beira da cama e me mantive ereta. Justin se prontificou na cadeira da escrivaninha. Estava relativamente longe e eu não entendi por que. Ele ficou calado por algum tempo, olhando as minhas mãos inquietas se moverem sem rumo em meu colo. Depois de suspirar, levantou-se e começou a averiguar um caixa em baixo da cama.
Eu me inclinei e perguntei.
- Quer ajuda?
- Não... Obrigado...
Observei-o.
Tinha que falar o que estava pensando. Ou então eu sucumbiria até a falência múltipla de órgãos!
- A sua irmã ela... Ela me odeia...
- Isso é um bom sinal.
 Não entendi.
- Por que?
Ele olhou pra mim e sorriu.
- Por que você não é igual a ela.
Continuei sem entender.
- Você parecia irritado com ela... Quando ela apareceu – sibilei.
Ele continuou a remexer uns papéis amassados dentro da caixa.
- Nós somos irmãos, mas eu não aprovo em nada o que ela faz com as pessoas. – Justin observou as letras rabiscadas num papel e voltou a amassá-lo com rapidez. – Pensa que não percebo?
Emudeci. Ele sabia que tinha uma víbora como irmã? – Nossa! Que babado...

- Nossa relação se restringe apenas à caronas até a escola, já que tem carro. Só isso, apesar de todos acharem que eu faço parte do grupinho dela... – ele desviou os olhos.
Enrubesci.
- Eu achava isso...
Justin riu.
- Achava?
- Eu te achava um idiota também.
Ele parou de remexer dentro da caixa e me fitou sereno por um longo tempo.
- Eu já fui um idiota. Há um tempo, com uma certa garota... Quando tive a oportunidade de mostrar a ela que eu não era mais, agarrei-a com força.
Estremeci.
- Agarrou a garota ou a oportunidade? – sorri.
Ele riu e não respondeu. Voltou a vasculhar a caixa.
- Quem é a garota? – murmurei.
Justin voltou a olhar para mim. Seus olhos sorriam, mas ele se deteve.
Novamente não me respondeu.
...
Tirou da caixa, uma minúscula sacola preta. Desatou um fiozinho branco que a fechava e tirou de lá um cordão incrivelmente bonito. Meus olhos brilharam involuntariamente. Ostentados e cheios.
- É bonito, não é? – ele o colocou na palma da mão. – É todo de prata, e esses cristais aqui no centro da cruz, são todos verdadeiros. – ele o estendeu a mim.
- É realmente lindo... – admirei.
- E agora é seu.
Atônita, perguntei.
- Meu? Como assim?
Justin se levantou e sentou-se ao meu lado.
- Gastei cinco meses de mesada nessa peça, cacei-a em lugares inimagináveis até encontrar a verdadeira. É um talismã forte contra espíritos, e no momento, quem mais precisa dele é você.
Meus lábios se entreabriram numa recusa.
Mantive-me calada.
- Eles não poderão tocar num fio de cabelo seu, pelo menos por algum tempo, enquanto achamos o túmulo do Ben.

Eu não podia negá-lo.
- Obrigada. – tentei sorrir. – Espero não ser roubada.
Justin se ofereceu para colocá-lo em mim.
Tentei dizer que não precisava, mas ele insistiu.
- Tá...
...
Ele se inclinou para perto do meu rosto e enfiou suas mãos entre os meus cabelos. Enquanto tentava terminar de colocá-lo, olhava para mim de um jeito estranho... senti vontade de beijá-lo, mas me detive por que seria muito ridículo fazer aquilo, naquela altura do campeonato!
Pare com isso, Amy, pare, pare! – berrei dentro da minha cabeça.

Ouvi um estalido e senti o peso do pingente.
 Pronto, já terminou...
Pensei em respirar aliviada, mas Justin continuou imóvel com o rosto perto do meu. Não entendi por que ele estava fazendo aquilo, tentei me afastar, mas não conseguia, no fundo eu não queria. Poderíamos ficar assim a noite toda...
Suas mãos acariciaram meus cabelos por trás, enquanto ele se aproximava dos meus lábios.
...
Alguém bateu na porta.
...
Foi como um tapa na cara. Eu me encolhi e Justin respirou fundo. Levantou-se e foi ver quem era. Virei-me em direção à porta, para sutilmente dizer “oi”. Estava morrendo de vergonha e conseqüentemente estava com o rosto vermelho.
A Natasha apareceu pálida.
- Vocês podem fazer menos barulho?
- Você se drogou muito hoje? – Justin se irritou.
- Cala boca! Manda essa garota calar a boca. – gritou.
Eu não entendi nada, a Natasha tava muito pálida, com a boca roxa e as pupilas dilatadas. E nós, Justin e eu falávamos tão baixo, não teria como ela nos ouvir do seu quarto. Temi o que estava prestes a acontecer.
Me levantei da cama.
- Justin... – sussurrei.
A Natasha enfiou as mãos entre seus cabelos, encolhendo o corpo de uma maneira perturbada.
- Calem a boca, parem de gritar!!
Justin olhou para mim com uma cara preocupada. Eu estava apavorada.
- Meu Deus...
Vi a garota mais popular e prepotente do mundo (o meu) desabar inconsciente. Corri em direção a ela, sem saber o que estava acontecendo. Justin carregou-a até sua cama e saiu para procurar um vidro de álcool no armário do banheiro, pedindo a mim que ficasse de olho em sua irmã.
Sentei-me ao seu lado na cama e procurei seu pulso.
Ela não tinha.
Estava tão fria...
- Meu Deus...
 Passei a mão na testa.
Ela estava morta... Morta... Tínhamos que procurar socorro rápido!
- Meu Deus...
De repente, senti sua mão fria apertar meu braço.
- Deus está morto!
...
Foi um susto horrível, enquanto eu puxava meu corpo para longe daquele ser horrendo. A garota linda e egocêntrica que eu me acostumara a ver, havia se tornado um tipo de demônio. Seus olhos azuis eram agora esferas pretas, secas, sem vida alguma. Sua pele bem tratada estava sem brilho, tal como a pele de um cadáver.
Ela se ergueu enquanto eu me afastava. Em pânico...
- Lembra de mim, Amy... – eu conhecia aquela voz, ouvira ainda naquela noite, enquanto fugia pela estrada de terra.
- Meu Deus... – meus olhos se encheram de medo.
- Deus está morto! – ela esbravejou.
Justin correu até o quarto. Achou minha cara assustada e sua irmã, com um macabro olhar assassino.
- Natasha...
- Esse é o nome da dona desse corpo? – a garota começou a se arranhar e a gritar.
Justin correu até a escrivaninha e procurou uma garrafa transparente.
Abriu-a e jogou em cima do corpo da irmã, que se debatia e se auto-flagelava.
O líquido chiou quando tocou a pele de Natasha, mas ela não se incomodou em nada.
- A água benta não tá funcionando...
- Meu Deus...
Justin teve outra idéia.
Correu até o sobretudo e pegou o livreto. Caçou uma página e iniciou o que parecia ser um mantra. Eu estava paralisada no canto do quarto.
Justin falava em latim.
...
Natasha parou de se contorcer depois da terceira frase. Imobilizada sobre a cama bagunçada, tinha os olhos parados em mim. Ofegava, com um sorriso mal em seus lábios pálidos.
- Eu vou pegar você...
Me encolhi e desviei os olhos.
Ela ainda se contorceu um pouco antes de voltar a si. Fazia uns sons estranhos e parecia embriagada. Suspirou cansada e adormeceu.
Levei minha mão até a boca, enquanto uma lágrima rolava de um dos meus olhos.
Justin parou de entoar o mantra e fechou o livreto atordoado. Foi para perto da irmã e verificou sua temperatura. Ela estava voltando ao normal.
- O que foi isso? – murmurei.
Ele procurou seu pulso.
- Alguma coisa possuiu o corpo dela.
- Um... um demônio? – uni a sobrancelhas.
- Não... – Justin não olhava para mim – Um demônio não sairia assim tão fácil... Foi um espírito.
- Eles podem fazer esse tipo de coisa? – caminhei para perto da cama.
- Podem. Mas isso depende da pessoa em questão. – Justin ajeitou os braços de sua irmã para que ela não ficasse desconfortável. – Minha irmãzinha aqui tem sido má ultimamente... Um coração mal atrai o mal.
Ofeguei.
- Ela vai ficar bem, não vai?
Justin ficou em silêncio. Parou o que estava fazendo e respirou fundo.
Olhou pra mim.
- Agora ela vai.
Agarrei a cruz pesada do cordão e fechei os olhos devagar. Eu era culpada?

...
...
Sentamos no chão, sem saber o que falar um ao outro.

Era como se tudo ao redor, o oxigênio, o raciocínio, nossas tolas palavras, tudo estivesse se quebrando. Olhei no relógio de cabeceira, dez e cinqüenta e cinco. O que eu faria da minha vida? Para onde eu iria? Como tudo terminaria?
Deixei meus olhos caírem no chão.
- O colar protegeu você... – Justin quebrou o silêncio. – Não te machucaram.
Toquei no colar e sorri.
- É...
- Você faz idéia de quem era? O espírito...?
- Não sei... Quer dizer... Não tenho muita certeza...
- Nomes...?
- Acho que foi a Elisa.
- A mulher?
- Sim... – olhei para Justin – Acho que ela está me seguindo desde a estrada de terra.
Ele suspirou e ficou em silêncio.
...
Era ela, então, sentada no meio fio, com a respiração calma e os olhinhos pretos?
Mas a voz parecia diferente... Não era Elisa. Ouvira sua voz fina e praguejante enquanto corria assustada e podia até sentir suas unhas cravadas em minhas costas. Ela era tão má... Meu Deus. Havia mais algum espírito que eu não conhecia?
A silhueta que falara comigo no meio-fio, possuía uma voz mansa e fraca. Não havia tentado se aproximar de mim ou me fazer mal, e olha que era bem fácil. Se eu estivesse um pouco mais calma...
Não era Elisa... Ela havia me perseguido, tinha certeza! Mas não foi sua voz que me disse aquelas duas frases.
Eram dois espíritos diferentes.
- Ben, Sofia, Elisa... – sibilei – existe um quarto espírito, Justin.
- O quê? – ele se ergueu.
- Existe mais um.
...
...
...
Não sei exatamente por que não contei a Justin que vira uma sombra e ouvira sua voz depois de cair na estrada de terra. Fosse isso, talvez, pelo nervosismo e apreensão que eu me encontrava, ou pelo fato de eu não ter dado devida atenção ao fato. Eu não sabia. Mas depois disso, tudo parecia tão bem definido, as vozes, tão diferentes...
Contei tudo a ele.
- Mas, não poderia ser a Sofia? – questionou.
- A Sofia não tem um vocabulário tão extenso, e mesmo assim, a voz ainda era diferente.
- E o Ben? – continuou.
- Não acredito que seja ele... Era como uma voz de criança...
- Você não imagina quem seja?
- Não... – passei a mão na testa – Eu já ouvi essa voz em algum lugar, mas não sei de quem é...
Justin coçou a cabeça.
- Isso é mal...
Eu não tinha tanta certeza quanto a isso, mas parei para analisar.
- O que essa tal voz te disse mesmo?
- “Você não deveria fugir. A saída está perto de casa”.
Se eu não estivesse tão apavorada, poderia ter estudado melhor toda a situação. O que aquilo significava? Era uma espécie de ajuda?

- Mais um espírito pro time – Justin riu. Sabia que estava preocupado demais para demonstrar.
Meu Deus... Aquilo não poderia piorar...

...

...

...

3 comentários:

Hugo Castro disse...

O.o
A estória está cada vez mais legal xD!!!
+falta mauito pra acabar??
Ñ q esteja desejando o fim do diário, mas o q eu pensei em fazer necessita de uma plena análise do Justin, e isso deve ser feito analizando cada frase e participação dele para eu não "auterar seu personagem".
Bom, depois t falo melhor disso.
Tah muuuuuito d+ sua estória.
Bejokas pra vc ;D

Amy disse...

nussssssssa ki parada louca nino....
pode explicar??

^^
bjus

Flávio de Souza disse...

Olá! Obrigado pelo comentário. Já estou seguindo seu blog, se concordar, me dê um OK para que eu possa divulgá-lo, tá bom?
Abração,
Flávio