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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Capítulo XVII – Mancha Negra

Não me lembro bem o que me acordou. Mas meus olhos estavam muito secos quando os abri. Eles ardiam. O céu estava escuro e o vento esvoaçava as cortinas perto da cabeceira da minha cama. Eu me sentei e ouvi o som de um carro chegando.

- Papai...
Queria olhar para ele, ser um pouco gentil. Mesmo que tivesse que sair do quarto, atravessar o corredor e descer. Minha Nossa! Aquilo me deixou em pânico!! Mas a pena... A culpa por sentir que o havia abandonado... Aquilo falou bem mais alto.
Corri para o banheiro e escovei os dentes. Dei umas leves batidinhas nas maçãs da face para me dar um ar mais saudável, molhei o rosto e tentei sorrir.
Que droga... Eu continuei horrível.
Vesti o casaco que deixara jogado no chão e parei, em frente à porta.
Péssima hora para desistir, era como se houvesse uma parte de mim do lado de fora. Ela me chamava, ela precisava de mim para sobreviver. E como eu, ela estava morrendo de medo também.
Respirei fundo e estreitei os olhos. Sem dar nenhum passo a mais, ergui a mão em direção à maçaneta...
As luzes começaram a piscar.
Eu olhei para o teto escuro, para as fluorescentes brancas e sólidas. Implorava para que não se apagassem.
Elas voltaram a piscar novamente, fazendo um tipo de zumbido não muito alto. Irritante.
...
Eu me mantive congelada. Queria me esconder em algum lugar, ligar para alguém e pedir que viesse até mim. Alguém para eu poder olhar e perguntar: “Você viu isso? Ó meu Deus, eu estou morrendo de medo!”
Mas não. Não havia ninguém lá. Ninguém confiável, quero dizer.
...
As luzes piscaram com mais força e rapidez logo em seguida. Apavorada, corri para o criado mudo e peguei o crucifixo, enrolando-o entre os dedos. Meus olhos pediam socorro, mas eu me mantive calada.
Poderia ser um simples problema na fiação da casa, uma queda de energia comum. Mas não... Exatamente não. Não era bobagem nenhuma acreditar que eram eles. Eles. Estariam com raiva por eu ter impedido sua entrada em meu quarto solitário?
...
Apertei a cruz com mais força, meus lábios se mexiam, mas não sei qual oração eu recitava. Só estava lá, falando, congelando.
Ainda de pé, eu olhava a porta, me perguntava se era uma boa idéia sair.
...
As luzes não se decidiram. Continuaram oscilando, ora me deixando no breu, ora me deixando no claro. De qualquer forma, não pude fazer nada. Estava de mãos atadas.
Olhei para a janela de vidro e pensei em como descer por ela.
Depois eu ia até o carro do meu pai, fazia ligação direta e fugia.
...
Fugia? Não, mas para onde?! Aquela era minha casa!!
Fiquei confusa, uma lágrima caiu de um dos meus olhos.
...
Abaixei a cabeça e apertei o rosto.
Uma batida violenta e desproporcionalmente alta soou em minha porta.
Não como a batida que ouvira durante a tarde, agora era realmente mais furiosa e obstinada. Dei um passo para trás e olhei para a madeira. Muda.
A batida se repetiu por cerca de três vezes, enquanto as luzes piscavam e eu tentava não desmaiar de pavor. Após limpar o suor nervoso que escorria por minha testa, ouvi a voz do meu pai do lado de fora.
- Amy... Amy abra a porta Amy...
Eu não respondi, mesmo que as palavras quisessem se atirar da minha boca. Tentei respirar calmamente.
Ele continuou.
- Filha...? Filha você tá aí? – sua voz quase ficou doce. – Ó meu Deus... O que está acontecendo comigo?... Por favor, abra a porta... Ajude-me!
Eu não me movi.
Forcei-me a ignorá-lo.
Ficou silêncio e a batida se fez no andar de baixo, mais precisamente na sala. Não sabia se era meu pai quem realmente pedia socorro, mas consegui caminhar para perto da porta. Queria ouvir ou imaginar o que estava acontecendo no corredor.
Escorei o ouvido na porta e esperei.
...
Havia algo resfolegado. Cansado e com cheiro de bolor. Fiquei ali por cerca de cinco segundos, até a batida violenta e furiosa me lançar para longe da porta.
- Amy! Abra a droga dessa porta!
Era uma voz grotesca.
Tapei a boca para não gritar ou acusar a minha presença, mesmo que fosse bem óbvio eu estar escondida dentro do quarto. Só sentia que não deveria fazer nada estúpido, tinha que esperar aquilo passar, esperar que esquecessem de mim e do sal.
Eles não entrariam...
Entrariam?
...
Justin logo chegaria. Sim, às sete e meia. Secaria os ponteiros do relógio com os olhos, enquanto eles giravam, abandonando aqueles intermináveis segundos. Que não iam.
Olhei para o relógio ao lado da cabeceira da cama... Sete e sete da noite.
Continuei olhando para os ponteiros, queria sentir que meu corpo despencava e que minhas pálpebras se abriam. Enfim, era tudo um terrível pesadelo. Eu estava saindo de um péssimo cochilo.
Não houve nada.
...
Eu ali, com os olhos transportados e maleáveis de tanto implorar, pude sentir o oxigênio ao meu redor cair e quebrar-se no chão. Tudo ficou temporariamente morto por quase um minuto. Não consegui respirar e nem me mover. Tentava gritar de uma vez por todas, mas não, não dava pra puxar fôlego. Era como se estivessem apertando os meus pulmões. Como se estivessem tapando a minha garganta.
Foi quando um arrepio quente me fez contrair os músculos. Um silvo inaudível saiu da minha boca e as minhas pupilas se dilataram. As luzes se mantiveram apagadas por completo, e a lua grande e lustrosa no céu negro iluminaram o quarto como um farol distante.
Era a hora da aurora.
...
Um sopro gelado e cortante soprou entre todos os cômodos da casa. Pude ouvir o seu flutuar fantasmagórico me procurar e gemer o meu nome. Me mantive imóvel, com os olhos na porta. Não. Eu não queria estar certa. Eles não entrariam.
Tudo era relativamente sombra, sem muita cor. Todo o papel de parede alaranjado havia desbotado. Sem mais som, o sopro alcançou o corredor, vindo de encontro à minha porta. À minha proteção.
Foi o meu nome e aquele sopro que sacudiram as partículas de sal, trazendo-as para dentro do quarto, por baixo da porta. Tudo que eu acreditava me deixar mais segura, havia acabado de ser expelido, sem esforço nem problemas. Os grãozinhos minúsculos foram se separando uns dos outros, formando uma desengonçada e esporádica marca branca no carpete.
Dispersa e inútil.
...
As luzes se acenderam com bastante força nesse momento, a do banheiro não suportou a alta carga de energia a acabou por estourar. Tomei um grande susto, girando o corpo para olhar a escuridão sobre os azulejos. Não me fizera ao menos o favor de ter mantido a porta do banheiro fechada.
Meus pés se mexiam num impulso de fuga, mas por eu não saber que tipo de ameaça maligna eu encontraria do lado de fora, segurei-me.
Tentei não tremer nem chorar.
...
Enfim, as lâmpadas voltaram ao normal. Não brilhavam mais num prenúncio de agonia, nem se afligiam em submersão às trevas. Tornaram-se luzes acesas e indiferentes, presas ao teto e ligadas em fiações antigas.
Permaneci na mesma posição. Olhando o escuro do banheiro, esperando que algum deles rastejasse para cima de mim.
A princípio, nada de extraordinário aconteceu. Pelo menos eu achei que não.
Mas aí, eu comecei a observar melhor...
A penumbra do banheiro se tornava mais densa. O escuro ia consumindo os fracos vestígios de claridade. Logo eu uni a sobrancelhas, vendo o escuro tomar a porta e escapar para as bordas das paredes, perto da escrivaninha.
Tapei a boca e fui em direção à porta. Enfrentaria o corredor.
...
As luzes começaram a oscilar novamente, enquanto eu tentava achar coragem para sair dali bem rápido. Olhei para a porta, ouvi o sopro e senti o cheiro horrível de bolor espreitar-me após a espessura da madeira. Não! Não dava pra ir por ali!!
Aí olhei para o banheiro... Incrivelmente, aquele tipo de mancha negra havia recoberto toda a extensão dos meus livros. Toda a parede do lado direito.
Mesmo quando as luzes clareavam, a escuridão se movia e se propagava como uma presença. Não se desfazia e nem parava.
Logo me alcançaria.
...
Estava totalmente cheia de medo, por um momento eu nem senti mais os dedos das mãos.
Meus pés formigavam e minhas pernas tremiam. Tive ímpeto de ficar parada e esperar o castigo, sem nem tentar uma negociação absurda. Porém, lembrei-me da janela e da grade de flores secas e espinhosas que se estendiam até o andar de baixo.
Minha mãe passou como um reflexo na minha cabeça. A lembrança dela sorrindo e arrumando as flores na grade me bateu com um tapa.
Era raro eu lembrar dela daquele jeito, com o rosto tão nitidamente bem desenhado e vivo.
Era diferente, bem diferente de quando eu olhei para sua palidez impressa na face, enquanto ela dormia apertada no estofado do caixão.
...
Nem tive tempo, quando dei por mim já estava correndo até a janela emperrada, forçando com toda as energias, implorando um leve ou brusco movimento de compreensão. Não deixaria de forçá-la, mesmo que a sombra me engolisse e acabasse comigo, eu ainda estaria agarrada ao trinco da janela.
A sombra vinha calma pelo papel de parede, engolindo as minhas fotografias sorridentes de uma família feliz, os porsters do Nirvana e do Linkin Park. E era como se dentro de seu fusco, houvesse um sorriso cruel e assassino, desejando faminto, consumir o meu medo. O carpete também ia desaparecendo, formando agora um lago negro e perigoso.
Eu não me afogaria nele.
...
Meus olhos com certeza gritavam, tanto que eu podia ouvi-los berrar dentro da minha cabeça. Se em algum momento eu precisei de força, o momento era aquele.
As pontas dos meus dedos doíam muito, mas se eu parasse de tentar abrir a janela, aí nem ao menos eu teria chances de ir embora dali. Claro que se eu conseguisse, havia a possibilidade de eu pisar em uma tábua podre e cair como um bloco de concreto, numa morte lenta ou numa contusão grave.
Não sei exatamente como eu conseguia manter os olhos abertos, estava em pânico, suando frio, mas ainda desperta.
Forcei mais um pouco, enquanto olhava a sombra há menos de um metro e meio dos meus sapatos. Já me preparava para a dor da captura quando subitamente, a janela se moveu para cima.
...
Os vidros embaçados e sujos de gordura ainda se recusaram mais um pouco, porém, não me detive e empurrei com mais força. Logo eu senti o vento fresco e gelado da noite tocar os meus cabelos, numa fresta não muito grande. Estiquei a perna e tentei me equilibrar nas telhas de barro, fazendo um terrível esforço para não cair em cima das pedras amontoadas bem embaixo da minha janela.
Olhei a madeira enegrecida da grade e me agachei. Segurei numa das telhas e desci o pé até achar algo sólido. A sombra já alcançava a janela.
Depois eu achei um ritmo para descer. Uma das ripas da grade rangeu, mas eu fui mais rápida e consegui passar por ela. Enquanto ofegava e tentava manter as mãos firmes, olhei para baixo e agradeci por faltar menos de dois metros.
Acho que quase sorri, se não fossem as lágrimas...
...
Enfim, dei um salto e caí em cima do barro, ao lado da pedreira.
Não sei se as minhas roupas se sujaram, pois quando mal toquei o chão, me lancei a correr para longe da casa. O portão estava aberto, passei por ele e alcancei a estrada de terra.
...
Estava tão apavorada que nem lembrei que havia um carro na garagem, muito menos que eu sabia fazer ligação direta e dar algumas marchas.
Aulas inúteis do verão passado.
...
As árvores eram um show explicito de terror. Bruxuleantes e negras, como monstros escusos no entardecer. O céu escuro, com a lua aprisionada a ele e algumas estrelas cintilantes, me atiçaram a não parar de correr. Eu estava apavorada, mal consegui raciocinar o que estava fazendo, tudo que por ventura surgisse na minha frente, seria atropelado e pisoteado por mim.
Algo uivou no meio do mato...
...
Não parei, acho até que aumentei a velocidade. Não imagino de onde eu tenha tirado tanta rapidez, afinal, eu sempre fui tão lerda! Mas estava indo, não sabia exatamente para onde...
...
Quanto mais eu avançava, mais o medo em mim aumentava. Tanto que eu mal pude notar o buraco no meio da estrada. Acabei enfiando o pé nele e despencando numa queda ridícula e dolorosa.
Não era um buraco grande, mas com certeza era fundo. Ainda com meu rosto colado na terra, mantive os olhos assustados e mariscados de choro. Se eles estivessem perto, conseguiriam me pegar sem problemas. Quis me encolher e esperar por eles, mas eu nem consegui me mover.
Foi uma respiração calma no meio-fio que me tirou da letargia.
Larguei meus olhos vencidos sobre a silhueta sentada e sem graça no canto da estrada. Quem quer que fosse, já me tinha em mãos. Eu acreditei que tinha.
...
Dois olhinhos pequenos não olharam para mim. Não com o medo que eu olhava para eles. Flutuaram até mim como uma pena.
- Você não deveria fugir.
Respirava ofegante, eufórica. Mal juntei as palavras, elas não fizeram sentido nenhum na minha cabeça. Depois os olhinhos se fixaram em mim e me fizeram tremer.
- A saída está perto de casa.
Aquilo me chutou e cuspiu em meu rosto. As palavras e a energia delas. Minhas mãos tremiam enquanto eu assanhava a terra com as pernas. Morrendo de pavor! Evitei gritar, se tivesse feito isso, acho que seria bem mais fácil me descobrirem. Eu só precisava continuar fugindo, fugindo!!
Continuei a fuga, agora tão alerta para a estrada e as folhas que se balançavam com vento, quanto um animal arisco. Meu peito estava apertado e os meus pés doíam. Aquelas sensações todas estavam soltas dentro de mim, sacudiam-se e queimavam o meu estômago.
Meus ouvidos estavam abafados e a minha cabeça doía.
...
Continuei me arrastando pelo meio da estrada, até ouvir alguém chamar minha atenção. Era uma voz fina e praguejante. Uma voz feminina. Como se me perseguisse, sentisse o meu cheiro e o meu medo. Podia senti-la olhar a minha nuca, puxar o meu cabelo e me esbofetear.
Apesar de olhar para trás e não ver ninguém, eu ainda sabia que aquela voz me espreitava. Sabia que estava a poucos passos atrás de mim. Foi estranho eu sentir tanto pavor, quis acreditar que era tudo uma alucinação violenta da minha cabeça.
De alguma forma, porém, tinha certeza de que ela já me conhecia. Sabia que a mulher que chamava o meu nome havia esperado tempo o bastante para me encher de pânico. Havia rondado todo o aquele tempo, escolhendo o momento perfeito para dar o bote.
...
Agora eu podia ver as luzes da rua principal, junto com as silhuetas mecânicas dos carros na penumbra. O meu coração badalava como um pêndulo desconcertado, eufórico e cheio de horror. Pulava e gritava, podia senti-lo doer e tremer. Os meus olhos tentavam achar consolo, algo que brilhasse e pudesse aquecê-los. Algo real e sóbrio.
Estava bem frio, mesmo eu estando dentro do casaco. O vento gelado furava as maçãs do meu rosto.
Meu estômago rodava.
...
Continuei correndo até mais perto da rua, pedindo que conseguisse ter energia para ir além dali, há algum lugar mais seguro e distante. Bobagem, porém, eu sabia. Estava fraca o bastante pra cair morta no asfalto. Poderia dar a eles uma honrosa vitória.
Nós a matamos.
...
Bem, ainda não.
...
Surgi no meio-fio da rua principal, vendo a noite iluminar-se com os postes amarelados e os carros apressados atiçarem uma brisa quente. Puxei as mangas do casaco e tentei olhar o caminho à minha frente. Tinha os olhos perdidos e a mente perturbada. Havia parado de correr tão bruscamente! Nem tomara um pouco de fôlego.
Ia para o lado populoso do Santos Dumont. Devia achar um lugar para organizar as idéias. Tentar achar uma solução temporária.
E talvez, quem sabe eu tivesse coragem de ir até a casa de Justin, olhar para ele implorar por ajuda.
Meu pai, minha avó, aquela casa... Tudo parecia latejar dentro do meu cérebro. Como eles estariam? Será que ainda respiravam?
...
Baixei os olhos e apressei os passos.
Meu corpo arrepiou-se tenebrosamente.
Uma mão gelada tocou o meu ombro
Aflita...
O quê?
Tentei deixar os olhos abertos, tentei continuar presa ao meu corpo.
Não olhei para trás.
Eu nem respirei.
...
...
...

3 comentários:

Hugo Castro disse...

Foi mal; eu li esse capítulo + no meu MP5, ai eu eskeci q ñ tinha comentado...
Tah D+ cm tds XD

Vc tah indo super bem ^^

Bjões pra vc

Ateh +!!

Unknown disse...

miguinha a mancha negra ficou incrivel, como sempre

parabéns

amei

beijoo*-*

amy disse...

amoooo vc, obrigado por comentarem

♥♥
eii se eu sumir de novo, eh por causa dos problemas de sempre.....

mas prometo que vou tentar terminar o diário

bjs